segunda-feira, 21 de novembro de 2011

06. Compreender o Kata.

Permitam-me levantar algumas considerações a respeito de compreender os Kata.
Os ideogramas apresentados no tópico para a palavra japonesa KATA 型/形 têm realmente as traduções apresentadas, mas o que o artigo não menciona é que estes dois ideogramas são usados indiscriminadamente no Japão para se referirem às "formas/padrões" feitos no Karate. Por isso, divagarmos sobre qual das duas traduções é a mais coerente (ou se ambas são representação da idéia de "forma") talvez não faça muito sentido para posicionarmos o assunto "Kata".
Contudo, achei interessante a frase: "(...)tradição japonesa e deve ser olhada no seu contexto histórico."
A questão é: qual é o "contexto histórico" dos Kata a que se refere o artigo?
Coloquemos as coisas nos seus devidos lugares:
Historicamente, há uma ENORME diferença entre o Karate 唐手 praticado sem fins de difusão popular (por exemplo Higaonna Kanryô) e o Karate 空手 exportado para o Japão. Ah! Sim! Há dois pares de ideograms diferentes para a palavra "Karate"...
唐手 Karate - Estes ideogramas também podem ser lidos "Tôde".
空手 Karate - A versão final para a designação da arte praticada hoje em dia.
Além disso, como é sabido (ou pelo menos deveria ser), o ensino dos Kata que conhecemos hoje não é nem de longe o espelho de como era o ensino original Por quê?! Porque antigamente o mestre ensinava o Kata que mais se adaptasse a determinado tipo de aluno e só ensinava a totalidade (ou quase totalidade) ao aluno que o iria suceder. Assim, um Kata que era ensinado para um aluno não era obrigatoriamente o Kata que seria ensinado para outro. 
O contexto de "aprender TODOS os Kata" de determinado estilo é "coisa recente".
O que nos leva a uma consideração simples: não seria a forma antiga de transmissão do Kata a mais coerente? 
Vejamos... para um estilo como o Gôjû-ryû 剛柔流 com um pouco mais de uma dezena de Kata, aprender todos os Kata parece não ser problema intransponível (mesmo que alguns mestres mais "iluminados" do que outros apresentem tal esforço como sendo "inatingível em uma vida apenas"). 
Por outro lado, um estilo como o Shitô-ryû 糸東流 que engloba os Kata de Itosu 糸洲 e Higaonna 東恩納... Eu não faço idéia da totalidade de Kata que devem ser aprendidos (adicione-se a isso a mesmíssima idéia anterior de que dominar um Kata "é um esforço inatingível em uma vida apenas") ... o que nos leva novamente à mesma questão anterior: não seria a forma antiga de transmissão do Kata a mais coerente? 
Naturalmente a resposta é bastante simples: no contexto ACTUAL, adaptar os Kata aos alunos está fora de questão porque faria diminuir o número de instrutores e isso é "inconveniente" para os propósitos de difusão de um determinado estilo de Arte Marcial.
Quanto ao parágrafo:
"Quando dizemos: "Eu tenho um corpo, eu tenho uma mão ..." uma separação já está em vigor. Este tipo de formulação antes não existiam em japonês, que foi inventado para traduzir idiomas Ocidentais. Esta separação não é sentida na técnica "wasa" ( técnica conectada ao corpo) (3). Qualquer um que adquire esta espécie de técnica tem a experiência de uma unidade total: "Eu sou o corpo, eu sou a mão" - além disso, "Eu sou a técnica, eu sou o que é feito". Neste sentido, o eu desaparece."
Não entendo o que isso tem a ver com "Compreender um Kata".
Compreende-se um Kata através dos seus Bunkai 分解. Onde:
分 BUN - Parte(s)
解 KAI - Compreender, entender, saber.
Para mim, compreender um Kata implica compreender as suas partes, sua aplicação e objetivos de cada movimento. Isso implica estudar a mecânica do seu funcionamento, o resultado pretendido referente a cada técnica e sua aplicação como transmissão de ensinamento original e perpetuação do estilo que se pratica.
Quanto ao "eu" e "não-eu"... cabeça ocupada não tem tempo para divagar. 
Treina-se e estuda-se. nada mais do que isso!
押忍 OSU!

Publicado in
http://karatedopt.blogspot.com/2011/08/compreender-kata.html
21 de Novembro 2011

2 comentários:

  1. Caro Joseverson:

    No meu blog rocurei transmitir algo presente no livro de Kenji Tokitsu e a que normalmente não estamos atentos. Tokitsu chega a levar ao extremo o conceito de Kata ao entender Kata como uma maneira de viver... e penso que quando se refere ao contexto histórico tenta levar-nos a reflectir nos vários contextos históricos, de modo que a sua observação é oportuna.

    O corpo e a mão, em relação ao compreender a Kata, nos dizeres de Tokitsu, referem-se à execução da Kata e sua compreensão com sendo a forma, o conteúdo e o indivíduo uma só coisa. Eu sou a minha Kata e a minha Kata demonstra quem eu sou...

    Só lendo o livro... e relendo, pois é difícil chegarmos ao fundo do pensamento de Tokitsu.

    Grande abraço e obrigado!

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  2. EXCELENTE colocação, Inocentes Sensei!!
    CONTEXTO é a palavra chave!

    Pergunto-lhe agora: qual é o problema de ler Tokitsu? É que ele é japonês! "Ele" vive num meio onde Dô está ligado a pensamentos filosóficos que evoluiram junto com as artes marciais. Naturalmente, o entendimento de um japonês a respeito de um assunto, NUNCA vai ser igual ao entendimento de um ocidental que nunca teve contato, nunca viveu em contacto directo com filosofia e religião orientais.

    Tokitsu escreve sem avaliar o contexto da audiência que vai atingir. Isso pode criar falsas expectativas e uma visão pouco clara sobre o que ele gostaria de transmitir.

    No nosso caso, dada a nossa experiência na prática da arte marcial, devemos ser minimamente capazes de "viver" o Karate nos NOSSOS TERMOS! Sem precisar recorrer à imitação dos padrões japoneses que só servem para eles mesmos.

    O Karate como arte marcial em si mesma não vê cultura, ele adapta-se ao contexto de cada um.

    O problema são os ocidentais tentando viver um Karate japonês, sem que tenham conhecimento de COMO ser japonês! Ou seja, um erro um tanto imaturo de contexto.
    (^_^)

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