quarta-feira, 13 de maio de 2015

227. A cor "BRANCA".

Tem havido nas últimas décadas, em se tratando de Artes Marciais Japonesas, uma tendência a achar que a cor "branca" representa "a pureza", "a volta à inocência", "o retorno ao princípio"... e, por causa desta "tendência" disparatada, inúmeros são os instrutores que deixam as suas faixas pretas ficarem em farrapos ou em completo mau estado de conservação apenas para comprovar o "tempo de prática".
Vejamos, então, alguns fatos que deveriam ser levados em consideração ANTES de se criarem "tendências" que, na maioria dos casos, são irracionais.
Em primeiro lugar, no caso das faixas pretas, a maioria dos instrutores ocidentais simplesmente esquece da tradução do nome da primeira faixa preta, ou seja, SHODAN! Assim, vamos relembrar a tradução e a consequente fundamentação do uso errado de faixas em mau estado de conservação.
A palavra SHODAN é escrita, em japonês, utilizando-se dois ideogramas: SHODAN 初段. Sendo que 初 SHO - "Início", "inicial", "começo" (...) e 段 DAN - "Nível".
Portanto, COMEÇA-SE o treino de uma determinada arte na "primeira" faixa preta. Sendo o preto inicial "a origem", "o começo" da vida do praticante. Agora, a lógica por trás da tradução: se a primeira faixa preta traduz-se por "nível inicial", qual é a lógica em deixar aparecer o seu interior branco?
Basicamente um "modismo" que foi usado por um ou outro mestre Japonês e que foi "copiado" por um número incontável de ocidentais porque "parece" ser mais "cool".
Assim, a tradução do termo SHODAN por si só indica que o uso da cor "Branca" nada tem a ver com o sentido de "retorno às origens" em se tratando de faixas pretas, deixar que a faixa fique em mau estado é um mito irracional. Estupidez.
Por outro lado, antigamente os Dōgi (Jūdō-gi, Karatedō-gi, etc.) eram feitos em pequenas instalações ou em casa, basicamente manufaturados de algodão não tratado (até o cheiro era característico ^_^ ). Para quem é antigo como eu, sabemos que os Dōgi daquela época COMEÇAVAM com uma cor "amarelada" e com o passar dos anos de prática e inúmeras lavagens estes mesmos Dōgi ficavam imaculadamente "BRANCOS"! Aqui sim, justifica-se a cor "Branca" como trazendo em si mesma o seu significado de "tempo de prática" (conceito que os ocidentais deturparam, transformando esta ideia em uma faixa porcamente mal tratada). Mas o assunto acaba aqui?
Claro que não! A capacidade humana de se superar é impressionante, principalmente quando faz porcaria!
Além das faixas esfarrapadas e em mau estado de conservação, começaram a surgir Dōgi "de marca" - bastante caros, diga-se de passagem - e excessivamente "engomados"... com o objetivo único de "fazerem barulho" para indicar que alguém está a usar KIME, sem que isso seja necessariamente verdade (vou traduzir, neste contexto, a palavra KIME por "energia de execução das técnicas")!
Voltemos aos Dōgi originais, aqueles feitos em casa... os Dōgi "amarelados" só faziam algum "barulho" se "REALMENTE" existisse KIME (energia) e, portanto, eram um indicador fidedigno do esforço de quem os envergava!
Hoje em dia, basta que alguém dê um passo e já somos capazes de ouvir o Dōgi a fazer barulho! Ah! O karatedō... quanto se paga por um KIME?! 
Para mim, que venho dos Dōgi antigos feitos artesanalmente, isso é simplesmente patético, porque não representam, nem de longe, o real empenho daqueles que deveriam ser expoentes nas artes que praticam.
Fala-se muito em tradição e valores do Bushidō, mas se formos analisar a situação atual, iremos encontrar vários exemplos de "tradições e valores" adaptados às conveniências do "peixinho a ser vendido"!
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"Nada é tão bom que não possa melhorar e nada é tão mau que não possa piorar!"
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