domingo, 29 de março de 2015

224. 武 BU!

Hoje vou cometar mais um ideograma japonês que, para mim, é mais um daqueles exemplos de conceitos mal interpretados no ocidente. Refiro-me ao ideograma 武 "BU", usado em palavras como BUJUTSU ou BUDŌ.

Vamos, antes de mais nada, "entender " a ideia por trás deste ideograma e, desta forma poder situar as interpretações que agora conhecemos.

No nosso dia a dia, ortograficamente falando, o ideograma BU é visto como um único caracter, é visto como "um todo" a ser escrito... Simples assim! Mas, na verdade o ideograma BU é o resultado da junção, da composição de "dois" ideogramas específicos, a partir dos quais podemos entender a ideia que este transmite. 

O ideograma BU foi criado a pardir dos seguintes ideogramas: 

KA 戈 - "alabardas", "lanças" e 

SHI 止 - "parar". 

Usando-se, então, estes significados, é criado o ideograma que já conhecemos, isto é, graficamente, fica-se com a "ideia" de que BU seria, literalmente, "parar as alabardas (lanças) (inimigas)".

BU 武 - ideia original: "parar as lanças inimigas".

Mas, na prática, o que significa "Parar as lanças inimigas"?

A nível dos clássicos militares antigos (chineses e japoneses), existem duas opções disponíveis para "parar as lanças inimigas": a via diplomática (pacífica) e a via belicista (guerra). Isto quer dizer, sem qualquer dúvida, que há formas distintas de resolução de conflitos. Há, portanto, opções claras e opostas para "parar as ações violentas dos inimigos".

De qualquer forma, esta visão de "dualidade de opções" foi sendo transformada com o passar dos tempos, de tradução em tradução, chegando ao termo "marcial", utilizado nos dias de hoje. De fato, eu não sei quem foi o primeiro autor ou primeiro indivíduo a sugerir a palavra "marcial" para o ideograma BU, mas esta tradução veio a causar muito mais inconvenientes do que oferecer uma tradução que se aproximasse a ideia original do grafismo chinês ou japonês.

E por que eu digo isso? Porque "Marcial" refere-se ao Deus Marte, o "DEUS ROMANO DA GUERRA". Como podem ver, "DEUS DA GUERRA" refere-se e indica uma opção única, isto é, a guerra em si mesma, o que não está de acordo com os ideogramas orientais originais.

Na verdade, tanto na China como no Japão, "BU" é traduzido por "militarismo" e não "marcial" e, no militarismo, as vias diplomatícas e da guerra estão presentes!

É justamente aqui que reside a diferença de "mentalidade" entre o que é praticar o BUDŌ como "Via marcial" ou praticar o BUDŌ como "Via militar".

Diferente do que é atualmente apregoado na esmagadora maioria das escolas de "artes marciais", o treino MILITAR difere consideravelmente do treino MARCIAL.

Que fique bem claro: a tradução de BUDŌ 武道 é "Vias Militares" e NÃO "vias marciais"... com tudo que isso possa implicar.

Este assunto poderia gerar um livro, explicando as razões porque a interpretação correta dos ideogramas e cultura japoneses seriam responsáveis pela mudança radical na forma de treino do BUDŌ contemporâneo. 

Contudo, não é meu objetivo escrever qualquer livro explicando o que já deveria ser do conhecimento geral, uma vez que há sempre autores sempre afoitos e dispostos a difundir material sem que sejam feitas pesquisas prévias e fundamentação fidedignas das informações apresentadas.

223. Conceito tático: "YOMI".

Para aqueles que estudam as artes militares, os conceitos de Estratégia e Tática são bastante claros. Contudo, em se tratando do ensino contemporâneo de Artes Marciais, conceitos que deveriam ser simples, devido a erros de tradução do Japonês para os idiomas ocidentais ou simplesmente por más interpretações de autores diversos, assumem significados bastante distintos daqueles descritos nos clássicos militares das culturas mais antigas.

Este é o caso do termo Japonês "YOMI", usado por muitos, entendido por poucos.

Em primeiro lugar, vamos "entender" sobre o que falamos, começando pela tradução deste termo: o radical YOMI 読み vem do verbo YOMU 読む que significa "Ler". Portanto, a tradução de YOMI é "leitura".

Mas o que significa "leitura" para os praticantes de artes marciais japonesas dos dias atuais?

É ideia generalizada no ensino das Artes Marciais dos nossos dias que "YOMI" seria a capacidade de "ler o inimigo", saber antecipadamente o que o inimigo iria fazer ou estaria pensando.

Mas estará esta interpretação correta? Este conceito abrange "tudo" que a expressão YOMI poderia representar?

É evidente que precisamos de mais informações para podermos tirar alguma conclusão definitiva.

Na realidade, esta afirmação está longe da realidade a nível tático. Por quê? Porque à expressão "YOMI" podem ser acrescentados dois sufixos japoneses para indicar o maior ou menor grau de "leitura", isto é:

YOMIYASUI 読み易い "Fácil de ler".
YOMINIKUI 読み難い "Difícil de ler".

A partir deste ponto, muitas conclusões podem ser tiradas, mas a mais elementar é a seguinte: uma tática irrefletida ou um mau posicionamento estratégico leva, geralmente, à derrota!

É natural que num ambiente controlado como o de uma escola ou associação de Artes Marciais, a "leitura" de um colega (que conhecemos a longo tempo) ou de um companheiro de treino (do qual conhecemos suas Tokui-waza - "Técnicas nas quais somos bons") pode ser bastante fácil! 

Por outro lado,  nas competições ou nas brigas de rua, a "leitura" do inimigo pode ser uma tarefa bastante difícil, uma vez que não conhecemos as suas fraquezas e os seus pontos fortes. Portanto, precipitar-se no julgamento do adversário apenas pelo que este "aparenta" à primeira vista pode ser um erro grosseiro e fatal, onde podemos perder uma medalha ou a vida!

Assim sendo, todo praticante de Artes Militares deveria ESTUDAR os clássicos militares disponíveis a fim de que conceitos que sempre foram transmitidos de forma sólida fossem aprendidos o mais corretamente possível e não através de ideias fragmentadas que induzem ao erro e a más práticas.