domingo, 26 de abril de 2015

226. O CALHAU E O KARATEKA.


Há um assunto que eu venho falando há anos, mas a maioria dos instrutores tem se feito de surdos, mudos e cegos... E o que acontece, então?

As consequências dessas posturas de negação do óbvio são visíveis no nosso dia a dia - em maior ou menor grau.

Eu poderia dizer que não sei qual é o motivo para haver uma predisposição - perigosíssima -  da maioria dos insrutores ocidentais em achar que "se é do Japão, é melhor!" ou "todo mestre Japonês tem bom caráter!". Mas isso seria mentira! Porque eu sei bem o motivo que valida "a galinha da vizinha ser sempre melhor do que a minha"!

É uma predisposição perigosíssima porque parte de um pressuposto completamente errado, ou seja, de que os mestres japoneses NÃO SÃO HUMANOS!

Muitos instrutores partem do princípio de que os mestres japoneses estão "acima dos demais mortais"... chegando mesmo a "venerar" alguns!

O que os instrutores ocidentais esquecem é a informação mais elementar e básica a respeito dos seres humanos: todos nós, pertencentes à raça humana, ERRAMOS, FALHAMOS, COMETEMOS ERROS, METEMOS O PÉ NA POÇA, DESNORTEAMOS, TEMOS MOMENTOS MAUS (MUITO MAUS, PÉSSIMOS), PRECIPITAMO-NOS, DIVAGAMOS, etc..

Esta característica de serem "cegos à realidade que os rodeiam" é bastante fácil de encontrar quando leio livros sobre artes marciais e raramente, muito raramente vejo uma análise correta das Artes Marciais onde é levado em consideração o "fator humano" dos mestres antigos. O problema é que, sem esta análise de comportamento humano é IMPOSSÍVEL determinar aevolução natural do Karatedō até aos dias de hoje, porque a história do Karatedō está marcada por encontros e relacionamentos humanos!

Como em qualquer parte do planeta, há pessoas boas, há pessoas medíocres e há pessoas más. Também existem bons instrutores, instrutores medíocres e maus instrutores! ISSO É IMFORMAÇÃO ELEMENTAR!

No ocidente isso se torna ainda mais complicado porque "a outra galinha é a melhor!"

Por exemplo, no dia 23 de Setembro de 2013 eu escrevi neste Blog o seguinte:

"Isto só confirma a 100% o que eu venho dizendo já há alguns anos: não é por ter "cara" de japonês, por ser "descendente" de japonês ou mesmo por "ser" japonês que uma pessoa sabe e vive a tradição e cultura japonesa antigas!"

E acrescentei:

"Tenham certeza também que há muito japonês "armado" em "mestre" apenas por causa da aparência! "

Adiantou alguma coisa o aviso? Claro que não!

Para piorar a situação, muitas das pessoas que caem no "velho truque" das aparências são pessoas com um grau de escolaridade elevada, com trabalhos publicados a respeito das artes marciais japonesas... mas que não aprenderam coisa alguma com os trabalhos que fizeram!

E por que eu afirmo que elas não aprenderam nada com os trabalhos que fizeram? 

Porque continuam a deixar o aspecto "humano" dos mestres das Artes Marciais Japonesas de fora da equação, fora dos seus trabalhos e, por isso, não têm a visão completa do assunto que estão a divulgar.

Infelizmente, mesmo com o aparecimento de mais e mais pessoas interessadas em pesquisas e estudos a nível das Artes Marciais Japonesas, os ocidentais parecem ainda estar "estupidificados", "entorpecidos" diante da cultura nipônica e, por causa disso, frequentemente esquecem de usar o cérebro a fim de analisarem as situações com clareza e objetividade necessárias na convivência e relacionamento entre os seres "humanos".

É desta falta de análise elementar que surgem os "misticismos", as más interpretações, a religiosidade inadequada... enfim, o KARATE (sem sufixo) para justificar uma pura estupidez  ou simples malandragem mental!

Eis que surge a questão: o que é mais válido? Um Karateka cego pela própria ignorância (geralmente - por mais incrível que isso possa parecer - em prejuízo próprio) ou um calhau que, pelo menos, fica no seu lugar, sem sobrevalorizar seja quem for? (Se bem que, em regra geral continua-se a achar que os japoneses são os melhores.)

Volto a dizer: há o bom, o medíocre e o mau em TODO O PLANETA!

Custa-me ter de repetir as mesmas coisas dia após dia, mas, quem sabe, um dia, o pessoal vai "acordar" e ter maturidade suficiente para pararem com venerações estúpidas, deixarem de ver apenas as conveniências sociais de estarem ligados a este ou aquele mestre - novamente - "japonês" (saltando de galho em galho à procura do "melhor japonês") e buscarem o que realmente interessa: "o saber"... e "saber" cada vez mais!

Deixemo-nos de hipocrisias! Não devemos "proteger o Caminho da Verdade" apenas quando nos convém! Tenham tomates para assumir esta postura nos seus dia a dia ou, então, parem de citar algo apenas porque fica bonito como palavras de um Dōjōkun.

segunda-feira, 13 de abril de 2015

225. JUSTIÇA E FAZER O QUE É JUSTO.

Há um grande número de praticantes de artes marciais japonesas que se consideram verdadeiros “samurais”, seguidores do Bushidô e dos elevados padrões dos guerreiros japoneses feudais.

É fácil encontrar as sete virtudes do Bushidô (1) Retidão ou Justiça - SEIGI 正義, 2) Coragem - YUKI 勇気, 3) Benevolência - JIN'AI 仁愛, 4) Polidez / educação - REIGI 礼儀, 5) Sinceridade ou devoção - SHISEI 至誠, 6) Honra - MEIYO 名誉, 7) Lealdade - CHUSETSU 忠節) sendo citadas como se as pessoas que as citam vivessem num universo ou século paralelo, no qual andariam com espadas à cintura e a defender a justiça (apenas de forma hipotética ou lúdica, naturalmente).

Ah! Isso seria tão bom! Nutrir um mundo justo e honrado!

A este respeito, referiu-se o Mestre de Karatedô, Funakoshi Gichin, nos seus “Vinte Preceitos”:

一、空手は義の輔け。Hitotsu, Karate wa gi no tasuke.
"Importante, o Karate é um assistente da Justiça."

Será mesmo? (Se é que alguém chegou a “perder tempo” em pensar nisso…)

Uma coisa é o sonho a ilusão dos “samurais contemporâneos”, daqueles que criam “«novas» tradições para atenderem às suas conveniências" muito particulares, quer pela necessidade de bajulação, quer por pura vaidade, quer pela necessidade imatura de "poder" (em regra geral, são criadas conveniências que impliquem sempre "o menor esforço possível"), da mesma forma, aquilo que o Mestre Funakoshi deixou escrito – se não colocadas em prática; outra coisa é a realidade atual, pura e dura!

Nos dias de hoje, não andamos com espadas à cintura com ar desafiador e olhar aguçado, nem usamos Hakama ou kimonos pelas ruas. Vivemos num mundo onde os campos de batalha são muito mais sutis e, em certa medida, muito mais perigosos, porque a “retidão” apregoada por muitos não é tão “reta” como aparenta ser.

Por outro lado, todos os dias, nós temos a chance de sermos justos, todos os dias nós temos a chance de viver como viveram realmente os antigos Samurai. E isso só depende do “quão justa é a nossa justiça”.

Agora cabe a cada um pensar no seguinte: o que tenho feito eu a fim de que o mundo seja mais justo? Luto realmente pela retidão (de comportamento e opiniões)? Luto por valores elevados, como os fundamentos do Bushidô? Ou acomodo-me (acovardo-me) e encolho-me num canto? Esperando que o tempo passe e que tudo se resolva sem a minha intervenção...

Há uma definição de insanidade que diz o seguinte: "Insanidade é fazer tudo da mesma maneira, dia após dia, e esperar resultados diferentes." 

Não estaremos a ser simplesmente insanos dia após dia?