quarta-feira, 25 de maio de 2016

230. DIVAGANDO SOBRE FOTOS ANTIGAS...


O advento dos "desportos de combate" alidados a "manobras políticas" fez e ainda faz com que as Vias Militares Japonesas (Budō) tenham vindo a se transformar e, segundo o pensamento contemporâneo, "evoluir". 
Em nome desta "evolução", os ensinamentos originais têm sido abreviados, resumidos e mesmo omitidos, afastando as Vias Militares dos seus respectivos objetivos originais. Por exemplo, o Jūdō, com o advento desportivo, perdeu Atemi-waza, Kappō e raros são aqueles praticantes desta arte que ainda mencionam ou sabem o verdadeiro significado dos dois pilares filosóficos desta arte: Jita Kyōei e Siryoku Zen'yō. "Evolução", continuam a dizer alguns.
Mas até que ponto pode-se considerar a progressão cronológica da Via Militar - neste caso - como sendo "evolução" e não como um desenvolvimento de uma "mutação" com características muito particulares?
O exemplo que vou citar agora pode parecer fora do contexto atual, mas serve para que se tenha uma ideia real sobre o que se está a passar no Karatedō e se a progressão cronológica até aqui pode ser considerada "evolução" ou "mutação".
Vejam as fotos abaixo. Miyagi Chōjun, Funakoshi Gichin e... ARMAS, muitas ARMAS!
Sem entrar em pormenores sobre a história do Karatedō, é necessária uma abordagem muito rápida a esse respeito. Então aqui vamos nós: em Okinawa, à arte de combate com as mãos e pés era chamada de Tōdii (唐手) - ideogramas que podiam ser lidos como "KARATE" e traduzido por "mãos chinesas ou técnicas chinesas". Onde: 唐 Tō - China, dinastia chinesa Tang e 手 Tii - Mão(s), Técnica(s).
Mas, além de usar as mãos e pés para o combate, também eram usadas "armas" específicas de Okinawa (como se pode ver nas fotos abaixo). 
Mas, ao sair de Okinawa e ir para o Japão, foram necessários alguns "ajustes" no Tōdii para que este fosse aceite na sociedade Japonesa, sendo uma delas a alteração do nome da arte, isto é, mudar o nome de Tōdii [Karate](唐手) (que era demasiado "Chinês" para ir ao Japão) para "Karate" (空手) "Mãos vazias".
É justamente neste ponto que as coisas ficam interessantes!
Vejamos os ideoramas para podermos entender a simplicidade das coisas: 空 KARA - Vazia(s) e 手 TE - Mão(s).
Por causa do excesso de apego à tradução literal dos ideogramas por parte de alguns elementos, começaram a surgir mil e uma interpretações e cada uma delas mais fantástica do que a outra: 
"O 'vazio' tem a ver com a vacuidade do Budismo Zen", começaram a afirmar alguns. 
"A arte usa apenas as mãos vazias para combater", afirmavam outros... (E os "pés"? Também não os usa?)
Mas nenhuma destas interpretações levou em consideração o fato mais simples e mais elementar de todas as explicações, isto é, que a utilização dos "novos ideogramas" apenas serviu para manter "a mesma pronúncia original de Okinawa" 'KARATE', mas... dando um sentido "puramente" japonês para promover a arte! 
Sem misticismos desvairados ou fatos "transcendentes" não fundamentados, trata-se apenas de providenciar um conjunto de ideogramas que pudesse servir como "adaptação fonética" de acordo com as necessidades da época da adoção do nome da arte, sem que nenhuma das partes (Okinawa ou Japão) saísse a perder, nada mais do que isso!
Portanto, relacionar KARATE com religião, com uma "vacuidade" ou "vazio" da religião Zen, é uma analogia que pode parecer interessante, mas um disparate completo na concepção dos "novos ideogramas" que serviram - nada mais, nada menos - para eliminar o sentido "Chinês" da expressão KARATE.
Além disso, dizer que "esta arte usa apenas as 'mãos vazias' para combater" também parece ser muito apropriado, mas não tem qualquer fundamento a nível do "Karate" praticado em Okinawa (antes de ir para o Japão)!
Volto, então, à pergunta inicial: até que ponto pode-se considerar a progressão cronológica da Via Militar - neste caso - como sendo "evolução" e não o desenvolvimento de uma "mutação"?
O fato é que, da mesma forma que o Jūdō perdeu com esta suposta "Evolução", o Karatedô seguiu (e continua a seguir) a mesma tendência de "perda" de informação tradicional, neste caso, a eliminação integral do treino com armas e a minimização das técnicas de projeções - que são raramente ou nunca vistas.
(In)felizmente, faz parte do ser humano partir de princípios lúdicos e românticos, fantasiar conceitos que se adaptem, na perfeição, às nossas ideias do que seria "o nosso Karate", sem pensar, refletir muito na "evolução" natural da arte e, por isso, apresentamos uma mistura de realidade e ficção que nada tem de benéfica para o desenvolvimento da arte em si, quer como "evolução", quer como "mutação" mundialmente aceite.