domingo, 20 de novembro de 2011

04. Pontos Vitais.


Ao meu ver, a sequência lógica para o ensino/aprendizado do Karate é a seguinte:
1. 基本  KIHON - Literalmente "Fundamentos" é a porta de entrada. 
2. 型・形 KATA - Literalmente "Formas" é a transmissão do ensinamento dos mestres originais.
3. 分解  BUNKAI - Literalmente "Entender as partes" é a compreensão do ensino.
4. 組手  KUMITE - Literalmente "Confronto" é a aplicação do conhecimento.

Então, onde entram os Atemi 当て身 "ataques aos pontos vitais" e os Kyûsho 急所 "pontos vitais" propriamente ditos? Este é um assunto bastante interessante, principalmente nos dias atuais. 

É interessante porque - em certa medida - é um assunto que todos falam, mas poucos realmente tem conhecimentos efetivos a que o assunto se refere.
Assim a matéria é falada, comentada muito superficialmente por "mestres" diversos, sem que nenhum ponto vital seja abordado em profundidade.

E qual a razão para esta negligência no ensino/aprendizagem?

A razão é que este assunto é muito mais complexo do que apresentar um diagrama com desenhos de localização dos pontos vitais e, em certa medida, as informações apresentadas nestes mesmos diagramas deixam muito a desejar no que diz respeito aos detalhes a respeito de cada ponto nelas indicados.

Apesar de eu não ter uma "vasta" experiência em brigas de rua, naturalmente enfrentei alguns casos onde o risco de vida era iminente. Entre os casos sobre os quais eu tenho vivência efetiva, pois as situações se passaram comigo, vou comentar três casos que me causaram grande surpresa ao verificar que o conhecimento que eu tinha "aprendido" dentro do Dôjô a nível de pontos vitais não correspondia àquilo que eu enfrentava na rua.

Num primeiro caso, após ter passado anos e anos a treinar técnicas para atingir pontos específicos, fui abordado na rua por um elemento... o confronto foi inevitável. Num determinado ponto, desferi o meu ataque a um ponto específico - já pensando no resultado que eu esperava. 
Para a minha surpresa e horror, o ataque ao ponto vital, com força mais do que suficiente, não produziu qualquer efeito no adversário em questão. Foram necessários quatro ataques no mesmo ponto para que o elemento fosse neutralizado (o que me deu uma margem de sucesso de 25% para um ataque ao referido ponto - muitíssimo abaixo do que eu esperava para um combate real)
A questão que se coloca é: : a técnica ao ponto vital não funcionou ou funcionou mal?!
Vejamos a situação de uma outra forma. Quando estamos em combate real, a adrenalina sobe em flecha... não só a nossa, mas a do adversário também! Aquilo que uma pessoa em condições normais poderia achar extremamente doloroso, sob o efeito da adrenalinha pode muito bem não sentir coisa alguma. Devemos estar preparados para esta situação... coisa que naquela época eu não estava. Mesmo atingindo o ponto certo, um único ataque não foi suficiente para derrubar o adversário. Descobrir isso no meio de um combate é a pior coisa que pode acontecer, pois abala os alicerces daquilo que julgamos dominar.

Num outro confronto também inevitável, utilizei uma técnica que para mim era potencialmente "inofensiva", quero dizer, não tinha objetivo em derrubar o adversário, tanto que o combate acabou com uma técnica apenas... mas vim a saber que o adversário teve o braço partido em três partes. Isso também foi uma surpresa enorme, pois quando fiz a técnica tinha por objetivo apenas "afastar" o adversário e nada mais, tanto que a técnica foi feita com aproximadamente 50% da força que eu podia utilizar. Neste caso, a técnica teve um aproveitamento de 300%...
A questão que se coloca é: a técnica funcionou bem demais?!
Novamente devemos analisar a situação no contexto de combate de rua onde a nossa vida está em risco e que todas as alternativas são válidas para sobreviver. 
Além disso, quando fiz a técnica não visei qualquer ponto vital. Apenas queria afastar o adversário.
Existem vários fatores que contribuem ou atrapalham o desempenho de um karateka em combate real. As falsas teorias sobre pontos vitais serem decisivos deveriam ser apresentadas de uma forma mais coerente. Há situações de hesitação, medo, insegurança... também há momentos em que o adversário simplesmente tem uma pura perda de controle sobre si mesmo - quer por problemas médicos, quer por efeito de drogas, alcool etc.

Num terceiro caso, estava voltando da praia com os meus irmãos menores quando fomos abordados por dois elementos, um deles com um bastão com pregos nas pontas. O combate era inevitável. Uns 5 segundos após ao início do combate, eu estava a aplicar um estrangulamento com o elemento que estava armado caído ao solo. Como no Dôjô eu já havia praticado milhares de vezes os estrangulamentos, sabia  - com 100% de certeza - que funcionavam (pois eu já tinha passado tanto por defensor como agressor na prática das técnicas - sabia "como" fazer e os seus efeitos a nível de tempo e resultados). 
Mas, na rua é diferente... não é a mesma coisa. Enquanto que no dôjô o Dôgi 道着 não rasga, na rua, a roupa comum rasga, cedendo à pressão! Definitivamente, a técnica não pode ser feita. Simples como isso! 
É uma situação completamente nova. 
Aquilo que eu julgava ser 100% a prova de falhas, falhou redondamente!
A questão que se coloca é: A técnica estava errada?!
De forma alguma! O que ensinado/aprendido funciona realmente a 100%... as condições do combate "não-linear" é que são imprevisíveis! 
Certezas dentro de um Dôjô, todos nós as temos, mas a realidade do combate de rua (não para marcar pontos) pode se revelar assustadoramente perigosa.

O que nos leva à questão dos pontos vitais e o seu ensino nas Artes Marciais.
Todo o instrutor deveria ser capaz de separar a fantasia da realidade e advertir os alunos que um ataque a um ponto vital tem mais probabilidade de atingir o objetivo esperado, mas que também estivessem prontos para a eventualidade de o adversário estar "anestesiado" por adrenalina ou sob o efeito de alucinógenos ou alcool... o que vai determinar sua maior ou menor resistência aos atques que efetuamos.. 
Infelizmente - não é bem isso que vemos nas escolas. Os pontos vitas passam a ser mitos e alguns "mestres" citam um ou dois para justificar o seu status quo.


Todo instrutor que se aventura pelo ensino dos pontos vitais geralmente cai num erro extremamente básico: a falta de vivência real na aplicação de técnicas aos pontos ensinados. 
E é bom que assim o seja, caso contrário andariam todos à porrrada constantemente e isso afasta-se das fronteiras do Dô 道(Caminho, Via).

Sou a favor do ensino de pontos vitais para todos os Yûdansha (faixas-pretas) e acredito que um shodan deveria saber 3 pontos vitais (1 jôdan + 1 chûdan + 1 gedan); um 2º Dan deveria saber 6 (2+2+2), um 3º Dan deveria saber 9 (3+3+3) e assim por diante. 

Mesmo que não representem 100% de certeza de Ikken Issatsu 一拳一殺 ("Um ataque, uma morte") aumenta a precisão e efetividade do futuro instrutor.


 KYŪSHO-ZU. Tabela de Pontos Vitais Básicos.

01. TENDŌ - Fontanela Anterior.
02. UTO or MIKEN - Entre as sobrancelhas.
03. KASUMI or KOMEKAMI - Têmpora(s).
04. DOKKO - Cavidade Mastoideana.
05. JINCHŪ - Base do Nariz.
06. SUIGETSU or MIZUOCHI - Plexo Solar.
07. GETSUEI - Hipocôndrio esquerdo.
08. KINTEKI or TSURIGANE - Testículos.
09. SHITSU - Joelho(s).
10. MYŌJŌ - Hipogastro.
11. DENKŌ - Hipocôndrio direito.
12. KACHIKAKE - Queixo.



押忍!Osu!

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