quarta-feira, 30 de novembro de 2011

28. Maldita barrinha!


No meu "post" anterior entitulado "Kyū, Mukyū ou Shoshinsha?", alguns leitores podem ter ficado a se perguntar: "Mas que raio de barra é aquela sobre a letra "u"?!"

Pois bem. Para entender essa "barra" faz-se necessária uma rápida introdução aos sistemas de transcrição fonética japoneses (ou processos de "Romanização" das palavras japonesas).

Como é do conhecimento geral, os japoneses escrevem em japonês!

Até aí, não é preciso ser bruxo para constatar o óbvio!

Calma! Se isso fosse assim tão óbvio, não haveria necessidade de ter de explicar a "maldita barra" sobre a vogal "u"... pois todos já saberiam o porquê de utilizá-la.

Continuando... os japoneses escrevem em japonês... utilizando um conjunto de ideogramas   chamados KANJI 漢字 (literalmente "letras chinesas" - originalmente rondam os 60.000 caracteres e um único caracter pode ter de 1 a 52 traços) e dois grupos de silabários chamados KANA 仮名 (atualmente com 48 caracteres cada). 

[Não vou entrar em detalhes porque isso não interessa à maioria dos ocidentais.]

Pois bem. Se eles usam Kanji e Kana para escrever, como é que nós ocidentais representamos  as palavras japonesas usando o nosso alfabeto?

Para 99,99% dos ocidentais, isso faz-se através das transcrições diretas das palavras japonesas que "ouvimos", sem qualquer método oficial que as fundamente.

É aqui que a bagunça, os disparates, os erros, as tretas, as informações dúbias etc. estão generalizados! Porque cada um escreve como "acha que tem de ser", sem se importarem em pesquisar minimamente a fim de que a informação que transmitem sejam fidedignas.
Mas qualquer pessoa que queira transcrever as palavras japonesas utilizando o nosso alfabeto de 26 letras - e seja séria a respeito da informação que quer transmitir - deve optar por algum sistema "OFICIAL" de transcrição fonética japonesa (pois existem alguns).

Para nós - ocidentais - o sistema que melhor se adapta às nossas necessidades é o sistema Hepburn [não me vou prolongar muito porque qualquer pessoa pode fazer uma busca na internet e encontrar TUDO sobre sistemas de romanização - basta que tenha interesse em aprender e fazer uma busca por "Hepburn"]. E por quê? Porque ele transcreve as vogais longas japonesas utilizando um acento chamado "Mácron" - aquela barra em cima da vogal. Vamos ver alguns exemplos de transcrição oficial corretas em se tratando de nomes de estilos de Karate: 剛柔流 - Gōjū-Ryū, 松濤館 - Shōtōkan, 和道流 - Wadō-Ryū, 糸東流 - Shitō-Ryū e, naturalmente, o próprio 空手道 - Karate-dō. Porque TODAS estas palavras apresentam vogais longas quando escritas em japonês. Portanto, para uma "romanização" correta da palavra japonesa deve-se respeitar o que foi escrito originalmente e não "inventar" transcrições particulares.

"E isso é importante?"
Sim, porque - em primeiro lugar - obedece a um sistema "oficial" de transcrição das palavras japonesas usando o nosso alfabeto e não transcrições "ao calhas" que deixam muito a desejar em se tratando de tradução efetiva de palavras, expressões e conceitos. Em segundo lugar, apresenta informação fidedigna para aqueles que buscam o conhecimento fundamentado e pesquisado; e - em terceiro lugar - valida o esforço gasto em aprender com o reconhecimento de uma transcrição correta.

"Mas eu sempre fiz assim..."
Ter "sempre feito assim" não quer dizer que tenha feito certo.

"Mas nos livros do meu estilo é assim que se faz ou é assim que está escrito..."
A grande realidade é que o Instituto Kōdōkan de Jūdō, a Zen Nippon Karate-dō Renmei (JKF) ou qualquer outra entidade de vias marciais nunca foram, não são e possivelmente nunca venham a ser qualquer autoridade a nível linguístico japonês e, portanto, muitas vezes publicam obras sem qualquer fundamento em se tratando de transcrição fonética. E o fazem basicamente porque eles não precisam se preocupar em fazer certo aos olhos ocidentais, porque sendo "japoneses" usam o próprio idioma a nível local. Quanto às obras publicadas no Japão destinada aos "outros", isso já é uma outra história...


Isso serve também para a ABNT - Associação Brasileira de Normas Técnicas - citada por um indivíduo para justificar uma transcrição fonética errada. A ABNT nunca foi, não é e possivelmente nunca venha a ser qualquer autoridade a respeito da língua japonesa.


Da mesma forma que não entramos num curso de corte e costura para aprender Karate, não entramos numa escola de Karate para aprender japonês. Se quisermos fundamentar o assunto "idioma japonês" ou "métodos de transcrição fonètica" procuremos as obras da Fundação Japão que é uma autoridade linguística.


Assim, a "madita barrinha" sobre as vogais obedece a um sistema de transcrição fonético oficial da língua japonesa. É a forma oficial e correta de se transcrever as palavras japonesas com o nosso alfabeto.


"Mas o meu teclado não tem esse acento!"
Não há problema! O Mácron pode ser substituido pelo acento circunflexo (" ^ ") sem prejuízo de correção de informação.
空手道 - Karate-Dō ou Karate-Dô.
剛柔流 - Gōjū-Ryū ou Gôjû-Ryû. 
松濤館 - Shōtōkan ou Shôtôkan. 
和道流 - Wadō-Ryū ou Wadô-Ryû. 
糸東流 - Shitō-Ryū ou Shitô-Ryû.

"Mas se eu quiser publicar algo, sou obrigado a usar esse acento?"
Não. Ninguém é obrigado a fazer o que não quer. É só uma questão de apresentar informação correta e verificável. Se alguém quiser apresentar informação definitivamente "não fundamentada", deve estar plenamente consciente das críticas negativas que o seu trabalho possa vir a receber. 


"Mas já há muita coisa escrita no meu estilo e mudar dá muito trabalho."
A questão é: quer continuar a difundir informação errada ou já é hora de colocar informação fundamentada? Não se esqueça de que "o que tem para mudar" foi informação passada de forma errada, sem pesquisa e transmitida como sendo certa. "Mudar da muito trabalho." Sim, dá. Mas foi por pensar assim, por comodismo que as coisas chegaram ao estado que estão.


(^_^)

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