terça-feira, 22 de novembro de 2011

08. As fases do conhecimento.

No mundo das artes marciais japonesas ensinadas no ocidente, muitos conceitos são ensinados de forma errada, mas raros são aqueles alunos ou instrutores que buscam realmente o conhecimento sobre a arte que praticam. 
Posições como "A figura, o conhecimento do mestre não se questiona." e "Devemos fazer exatamente como o mestre diz" parecem ser um dogma intocável. ERRADO! Hoje eu vou mostrar porque questionar, perguntar, procurar respostas é importante para o desenvolvimento de qualquer praticante de Artes Marciais japonesas.
Basicamente pode-se traçar o desenvolvimento e maturidade de um praticante de Artes Marciais através de três fases distintas. (Vou fazer uma analogia ao crescimento humano para ficar mais fácil a compreensão do assunto abordado.) (^_^)

1ª Fase: O Bebê / O Shoshinsha 初心者.
Ser "macaquinhos de imitação" é o que se espera dos bebês que estão a obter os primeiros conhecimentos do mundo ou dos Shoshinsha 初心者 iniciantes (ou iniciados) que estão a obter os primeiros conhecimentos do mundo marcial. 
Estes devem ser instruídos de forma paciente e supervisionada ensinando o certo e o errado a respeito do "Caminho" (de vida ou marcial). As trapalhadas, os acidentes e incidentes... tudo acontece nesta fase. Naturalmente, dependendo do grau de supervisão levado a efeito (dos pais e dos mestres respectivamente) as situações podem ser minimizadas ou agravadas. Tudo que o bebê faz, tudo que iniciante faz é espelho daquilo que os pais e mestres ensinam.

2ª Fase: O Adolescente / O Shodan 初段.
À medida que o bebê cresce e torna-se adolescente, à medida que o iniciante evolui no treino e torna-se Shodan 初段 - traduzido literalmente do japonês significa"nível inicial" e não "1º Dan" como erradamente encontra-se difundido por toda a comunidade marcial, ou seja, é aqui que o iniciante "começa" verdadeiramente na arte que pratica , o cérebro já tem informação o suficiente para pensar por si mesmo e é capaz de saber o que é certo e o que é errado de forma mais ou menos consistente em se tratando da vida ou da arte marcial que pratica. Do adolescente espera-se, consequentemente, que não faça "xixi na cama", do Shodan espera-se que seja capaz de entender os conceitos básicos que lhe foram passados no seu período como Mudansha 無段者 "aquele que não possui o nível Dan" (cintos/faixas coloridas). Basicamente espera-se que saibam usar os cérebros para elaborar decisões com base nas suas "maturidades" para determinada fase do desenvolvimento como ser humano ou como praticante de uma arte marcial japonesa qualquer.

3ª fase: O adulto / O Sensei 先生.
Quando o adolescente torna-se adulto, quando o Shodan torna-se Sensei 先生 - genericamente traduzido como "professor" - espera-se estar no seu ponto máximo de maturidade e responsabilidade. Atenção! "Esperar" não quer dizer necessariamente que isso ocorra em alguns casos! É muitíssimo fácil encontrar pais e mestres imaturos e irresponsáveis. Neste ponto o adulto constitui uma família, o Sensei fica responsável por um dôjô 道場 e dão início a um novo ciclo - reiniciando a 1ª fase novamente
Agora, falemos dos Sensei 先生 e a sua responsabilidade no ensino.
Ser um Sensei 先生 não é tarefa fácil. Estou a falar num verdadeiro instrutor.
Existem vários problemas a serem superados.
Em primeiro lugar, o vocabulário japonês para um instrutor é enorme! E o instrutor deve dominá-lo - integralmente - para responder às dúvidas dos alunos de forma concreta sem alimentar mais dúvidas.
Em segundo lugar, os conceitos técnicos e filosóficos a respeito do Karate também são um obstáculo considerável, porque as fontes de informação a este respeito no ocidente são muito questionáveis e 99% dos casos carecem de pesquisa e profundidade de conhecimento por parte de quem os elabora.
Para facilitar a vida de todos, o que deveria ser feito neste aspecto seria <anotar todas as dúvidas num caderno e, num estágio com mestres (japoneses ou não), tirar todas as dúvidas>. Tão simples como isso! Vergonha?! Não quer incomodar o mestre?! 
A função do verdadeiro mestre (oriental ou ocidental) é tirar dúvidas aos discípulos. Um verdadeiro mestre NUNCA irá ficar chateado por ter de responder a questões dos alunos para as quais só ele pode responder... a não ser que este mesmo "mestre" só tenha acumulado faixas pretas e não tenha se dado ao trabalho de estudar a arte que ensina. Neste caso, é possível que ele não faça idéia ou não tenha conhecimento suficiente para responder com segurança às perguntas apresentadas pelos alunos. (^_^) Aqui começam a "inventar" respostas disparatadas ou ficam irritados!
Por isso, vergonha à parte, toquem a questionar! E lembrem-se sempre que com uma grande posição vem uma grande responsabilidade. 
Mas a pergunta pertinente agora é: "Como um pai ou mestre chega a este grau de responsabilidade?"
Em se tratando de adultos e mestres de artes marciais, a resposta é bastante simples: atinge-se elevado grau de responsabilidade através de conhecimento efetivo, de experiência sólida e respeito pelo conhecimento próprio e daqueles sob as suas orientações, conhecimento e compreensão da prática e da teoria sobre a vida e sobre as artes marciais respectivamente. Contudo, só se chega a este conhecimento e experiência através da própria vivência de eventos. Ninguém caminha com os pés dos outros. O que pode servir em uma pessoa, pode não servir para outra.
"Calma lá! Se não há um conhecimento que seja igual para duas pessoas diferentes, então, como se sabe o que é melhor para uma determinada pessoa? "
Através do nosso bom e velho "questionamento", da busca de respostas e da análise de cada ocorrência em particular. Perguntar, procurar respostas, questionar, pesquisar... tudo traz conhecimento e o conhecimento traz a solidez do ensino.
Como disse antes, ser "macaquinho de imitação" faz bem na primeira fase do ensino, mas não é o que se espera de um Shodan 初段 ou de um Sensei 先生.

Por fim, deixo algo em que eu acredito e que deveria ser um guia para TODOS os instrutores de Artes Marciais japonesas:

"Não acredite em algo apenas porque ouviu falar sobre isso. 
Não acredite em algo apenas porque isso foi passado de geração em geração.
Não acredite em algo apenas porque é falado ou há rumores ditos e espalhados por muitos. 
Não acredite em algo apenas porque está escrito em escrituras sagradas. 
Não acredite em algo apenas baseado na experiência dos mestres, pessoas mais velhas e sábios. 
Acredite em algo apenas depois de cuidadosa observação e análise, quando achar que isso concorda com a razão e conduz ao bem e benefício de um e de todos. 
Então aceite esta verdade e viva através dela." 

-------------------------- Siddhārtha Gautama - O Buddha histórico.



押忍
Osu!

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