sábado, 3 de dezembro de 2011

31. Faixa preta desbotada.

-Your belt... ?!
-Now I am a "Great master".

Cada pessoa é única e, da mesma forma, os seus pensamentos. As idéias de cada um são válidas e justificadas na medida em que expressam o seu conhecimento particular. 

Em relação a "faixa preta desbotada", não concordo com a afirmação de que a mesma represente "anos de treino" ou que tenha um caráter simbólico transcendente (idéias muito difundidas em nossos dias) e digo isso com base em três razões básicas:
  1. Esta característica, as faixas pretas em farrapos, só é vista em Karatedō. Em Jūdō ainda não vi tal fenômeno, mesmo em Jūdōka muito idosos, com dezenas e dezenas de anos de prática efetiva. Observe que em Jūdō existem técnicas em que é necessário agarrarmos e puxarmos as faixas dos adversários - e estas se mantêm íntegras mesmo com dezenas de anos de prática (e se não se mantém intactas, são substituidas). 
  2. O problema mais grave sobre este assunto é que a cultura japonesa prima pelo asseio pessoal. É simplesmente incabível usarmos um Jūdōgi ou Karategi em farrapos, da mesma forma que é difícil compreender como é possível usar parte do mesmo (a faixa) em péssimas condições. É como um Samurai andar com uma espada enferrujada à bainha. Cuida-se do próprio material porque - aqui sim - o material é o espelho do praticante e, portanto, um cuidado com a nossa apresentação pessoal e com o nosso próprio equipamento é fator primordial. 
  3. Outro ponto interessante a respeito das faixas esfarrapadas que também pode ser visto dentro do Karatedō é o fato de que este fenômeno ocorre também em praticantes que não tem tantos anos de treino quanto isso e, portanto, leva-nos a concluir que é um fenômeno que se expande por imitação, ou seja, a fútil idéia de que "aparência é competência". 
Se analisarmos a idéia de que "A faixa branca simboliza a pureza, o ponto de partida de tudo, e quando sua faixa está ficando desbotada ou ficando branca, simboliza uma volta as suas origens, pois, é sempre bom que o praticante nunca esqueça onde ele começou seu aprendizado no caminho da arte marcial que escolheu em especial aqui o Karatedō." poderíamos pensar que ao deixar a faixa mostrar o seu interior estaríamos a simbolizar uma volta as origens... Mas isso está completamente errado!

(In)felizmente isso não pode ser encarado desta maneira porque o Karatedō (o Jūdō ou qualquer outra arte japonesa) simplesmente NÃO começa na faixa branca. O Karatedō, o Jūdō etc. começam na realidade na primeira faixa preta. E é por isso que a primeira faixa preta chama-se Shodan 初段 ("Nível inicial"). 

Cumpre-me lembrar que estamos a falar de cor da faixa e sua utilização efetiva e se tivermos - nesta linha de pensamento - de "voltar às origens", devemos mesmo utilizar uma faixa imaculadamente preta, pois aqui sim iniciamos o treino nas artes marciais. As demais cores anteriores são níveis preparatórios para o começo do treino efetivo. 

Uma coisa é certa: estamos todos de acordo com o simbolismo da "volta às origens", mas a faixa original daquele indivíduo que realmente "começou" no Karatedō, ou qualquer outro Shodan 初段 é, inegavelmente, preta

Sendo bastante pragmático, acredito que somos adultos o suficiente para não termos de ter "uma marca pendurada à barriga" para lembrar que devemos ser humildes. A humildade vem com a educação. Se tivermos aprendido previamente o que é humildade, o que é ser humilde, não precisaremos de ter "lembretes" pendurados ao redor do corpo (de qualquer espécie). 

Existe ainda mais um ponto que gostaria de comentar... 

Há aqueles que dizem: "Nunca devemos comparar Jūdō com Karatedō, pois cada arte tem sua forma de entender as coisas." 

Bem. Como estamos a falar de faixas, esta afirmação seria válida se os fatos históricos sobre o próprio Karatedō a validasse - o que, definitivamente, não é o caso. 

Relembremos então, de forma extremamente resumida, a história da introdução do Karatedō no Japão (coisa que - como a teoria da própria arte - a maioria dos instrutores de Karatedō esquece)... 
"Após a visita de Kanō Jigorō 嘉納治五郎 (Fundador do Jūdō 柔道) à Okinawa 沖縄, onde o mestre do Jūdō 柔道 sugeriu aos mestres de Karatedō 空手道 que as suas artes fossem apresentadas no Japão, Funakoshi Gichin 船越義珍 foi escolhido para introduzir o Karatedō 空手道 no Japão. A fim de tornar o Karatedō 空手道 mais aceitável ao povo japonês, Funakoshi Gichin 船越義珍 copiou o Jūdōgi 柔道着, chamando-o Karategi 空手着 e "copiou também as graduações do Jūdō 柔道". (...)" - O resto são fatos históricos.
Assim sendo, não só podemos comparar as graduações do Karatedō [空手道] com as graduações do Jūdō [柔道], como também somos capazes de traçar análises a partir de pontos de vistas diferentes daqueles que estamos acostumados. 

De uma maneira ou de outra, as artes marciais japonesas estão todas interligadas, nem que seja pela cultura, filosofia ou idioma comum.

Para concluir, resta-me apenas dizer que tudo na vida são "escolhas"... Mas sejamos minimamente coerentes: os mesmos mestres que usam as faixas em farrapos, não usam o Karategi em farrapos... portanto há uma contradição visível a respeito da manutenção do equipamento pessoal. 

Não é por apresentarmos uma faixa em péssimas condições de manutenção que o nosso estatuto de "mestre" eleva-se sobre os demais. Muito pelo contrário. 

Cabe, por isso, a cada um de vós a escolha da resposta para esta contradição. 

5 comentários:

  1. Joseverson Sensei:

    Claro que muitos gostam da faixa preta desbotada: é "in"... vende mais visualmente...

    Eu até conheço um praticante que ao fim de três meses de shodan foi lavar a faixa com pedra "pomes" para ficar mais rafada...

    Mas o principal problema não está na "faixa preta desbotada"! O principal problema está nas muitas mentes uma desbotadas... outras cristalizadas...

    Grande abraço!

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  2. E já agora só mais um acrescento: não é a faixa que nos dá a técnica, o espírito, o conhecimento, a pedagogia, a ética ou a moral...

    Isto todos sabem, ou dizem saber, mas que fazem logo contas para saber quando é o próximo exame, lá isso fazem...

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  3. Já usei uma faixa pret que 'desbotou'...na verdade a qualidade da mesma era fraca e ficou assim em 4 anos. Comprei-a porque as que tinha não tinha ficaram mais justas...foram encolhendo... no entanto deixei de usar tanto essa. Percebo o fundo da questão e gostei do pragmatismo... no entanto poderão existir cintos (faixas) que realmente vão perdendo propriedades ao longo dos anos. Abraços

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    1. Kajukenbo Portugal também comentou:
      "O facto e o seguinte. Praticantes de Karate do sao pobres e nao tem dinheiro pra ficar comprando faixas novas. E quem inventou faixa de cetim e seda, ja o fez com o proposito delas acabarem logo e por conseguencia, obrigar o praticante a comprar outra novinha. Tiro no pe........mas o legal mesmo e ver praticantes de Karate rasparem a faixa no poste para passar a ideia que a faixa e velha. Aqui o pais privada pratica constante."

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  4. Durando oeu caminho na faixa preta já troquei de faixa umas 9 ou 10 vezes. Sempre que rasga eu troco, pois concordo plenamente com seu texto. Hoje em dia a faixa rasgada tornou-se sinonimo de vaidade. Parabéns pelo excelente texto...OSS!!!

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