quarta-feira, 16 de maio de 2012

72. Uma linha muito tênue.

Hoje, após uma troca de ideias com amigos sobre "o estado das coisas" nas Artes Marciais Japonesas ensinadas de uma forma geral, achei que deveria criar uma entrada no Blog apenas para reflexão individual e particular.

Tenho notado, nas mais diversas Artes Marciais Japonesas ensinadas no ocidente, uma relutância em modificar conceitos comprovadamente errados por outros fundamentadamente corretos e, para comprovar o que eu digo, vou usar - mesmo fora do contexto marcial Japonês - um dos maiores exemplos de erro grosseiro transmitido de geração em geração (pois este erro já tem uns 40 anos de idade e - pelo que parece - vai ficar uns outros 40 anos)! O erro a que me refiro é a utilização do termo Kung Fu 功夫 [1] como sinônimo de "Artes Marciais Chinesas".
Pois bem. Vamos primeiro entender a que me refiro e depois tecer alguns comentários que possam esclarecer alguns pontos um tanto obscuros.

"Kung Fu 功夫" não é nenhuma Arte Marcial! 
Nunca foi, é ou será uma Arte Marcial porque o termo em questão é um título de proficiência e não uma forma de luta.
Se lermos os ideogramas que compõem esta palavra, teremos:
功 Kung - "Mérito".
夫 Fu - "Homem, Pessoa"
Assim, pode-se traduzir "Kung Fu" como sendo "Pessoa hábil, conpetente, especialista...", ou seja, "qualquer pessoa que faça bem a sua função", seja ela qual for! Um dentista, um médico, um advogado, um pintor, um cantor e - acreditem ou não - até um Artista Marcial... Todos podem ser Kung Fu!!
Tenho certeza que muitos praticantes, entusiastas e apoiantes de "Kung Fu"  como forma de combate já estão nervosos! Nervosos porque, para a maioria da população ocidental, Kung Fu "É" uma forma de luta!
Não, não é! (^_^)

"Mas se não é uma luta, de onde vem esta idéia que tem sido transmitida há tantos anos?"

Para o pessoal da minha geração, ainda deve estar na memória uma série transmitida na televisão na década de 70, onde havia um monge budista sino-americano que vivia no templo Shào-Lín 少林 
chamado Kwai Chang Caine (interpretado por David Carradine... na verdade, a série tinha como protagonista original Bruce Lee, mas devido Lee ser "demasiado" Chinês a coisa não correu lá muito bem), que acabava com os maus do filme através de "porrada com sabedoria".
Como o título do filme era - pasmem - "Kung Fu" e ninguém fazia ideia a respeito do nome da luta que o monge usava, resolveram chamar de "Kung Fu" ao tipo de luta e NÃO ao fato de o monge ser realmente "O" Kung Fu... Aproveitando esta maré de sucesso da série, as escolas de Kung Fu proliferaram! E, pronto, o resto é o que sabemos.

"Mas se o nome não é (mesmo) Kung Fu, como se chama então?!"

No oriente, existem duas formas corretas de se referir às Artes Marciais Chinesas e através dos quais deveriam ser referidas em se tratando de arte de combate:
1. Em Taiwan são conhecidas por Wû-shù 武術 "Artes Marciais" (estes ideogramas são lidos "Bu-jutsu" em japonês).
2. Na China (comunista) são conhecidas por Gúo-shù 國術 "Artes Nacionais" (estes ideogramas são lidos "Koku-jutsu" em japonês).
Mas, passados 40 e tantos anos, cá estamos nós a ver "O Panda DO Kung Fu"!

Mas o "Kung Fu" é um exemplo de um "erro" reconhecido como "certo" por toda gente!


Menos claros ou evidentes... são os termos errados "Japoneses", transmitidos por escolas de artes mariciais de origem Nipônica, como o Jûdô, Karatedô, Aikidô, Kenpô, Kendô e mais um monte de DÔ... onde os erros vêm se perpetuando de forma não mais recente e de forma bastante consistente.

"Mas qual foi o motivo para essa negligência generalizada?" 

Há várias teorias, mas basicamente a coisa foi assim:

- Bem no começo da difusão das Artes Marciais Japonesas (Chinesas, Coreanas etc.) no ocidente, estas eram feitas oralmente, por mestres orientais que não tinham necessariamente qualquer formação linguística... 
O que não só era de se esperar como o mais lógico de acontecer, pois os objetivos destes mestres eram apenas o ensino das Artes Marciais e não o ensino de um idioma!

- Os alunos ocidentais, também com pouca formação linguística, ouviam os termos orientais (Japoneses, Chineses, Coreanos etc.) e anotavam aquilo que "ACHAVAM que deveria ser" a pronúncia e traduções corretas (o que continua a acontecer nos dias de hoje, infelizmente).

- Estes conhecimentos empíricos (sem a mínima fundamentação literária) foram (re)transmitidos tanto oralmente como em publicações (o que continua também a acontecer nos dias de hoje, também infelizmente).

E tem sido desta maneira que os erros vão se perpetuando a cada dia que passa nas Artes Marciais orientais, Japonesas em particular.

Contudo, nesta época que vivemos, com acesso a informações de qualquer canto do planeta, esta cultura do "copy/paste" ("copiar/colar") ou do "ACHO que é assim..." já não tem por onde se manter. 


Pode-se, com um simples "click" do rato, ter toda fundamentação a respeito dos termos japoneses utilizados em TODAS as Artes Marciais Nipônicas ensinadas no ocidente. Sim, eu disse T-O-D-A-S! 

Mas, mesmo assim, com toda a informação ao nosso alcance, as pessoas continuam a preservar os erros - como se relíquias sagradas se tratassem!

O que causa uma grande confusão são os motivos que levam tais pessoas a continuar a propagar os erros quando sabem a informação correta. As razões para esta relutância, para este apego obstinado pelas coisas erradas parece ter - no meu ponto de vista - algumas raízes bastante conhecidas, tais como:


- A acomodação ao ensino teórico deficiente recebido... A maldita frase "Meu mestre disse que era assim." Já cheguei ao cúmulo de conhecer casos em que me foi dada esta resposta e o "mestre" em questão nem havia sido consultado, demonstrando uma acomodação e uma malandragem repugnantes por parte de quem utiliza este tipo de desculpa!

- A falta de educação específica na área da pesquisa, do estudo, do incentivo à "curiosidade", da valoração do "saber mais", da relevância do "questionar", do "aprender mais para ensinar melhor". Éramos treinados para PAGAR e CALAR.

- O medo de ir contra dogmas. Se estiver escrito nas publicações oficiais federativas, associativas, comunitárias... então é sagrado
O problema é que Federações (nacionais ou internacionais), Associações, Clubes e determinados indivíduos NÃO são nenhuma AUTORIDADE linguística e, portanto, o mais provável - se não tiverem a preocupação em "aprender" para difundir o certo - é que "metam o pé na poça" como qualquer pessoa sem a devida instrução! E podem ter certeza... Há MESMO muita coisa que precisa ser revista!

- O medo de ir contra os mestres mais antigos (por parecer desrespeito). Este é um caso que vai depender mesmo do mestre / instrutor e o seu maior ou menor grau de segurança e conhecimento sobre a arte que ensina. Quem SABE não tem medo de questionamentos! Porque duas coisas podem acontecer: sabe e responde; não sabe, pesquisa e responde posteriormente. Isso é o que faz um bom instrutor: não ter medo de dizer "Eu não sei!".

E assim por diante...

A grande realidade é que, mesmo com estes fatores condicionantes, a informação continua disponível à todos. O conhecimento agora não é um privilégio de uma elite com narizes empinados, o conhecimento agora é uma opção de cada um! Mas... continuamos - em pleno maio do ano de 2012 - com os mesmos termos errados, mal escritos, mal pronunciados, mal transmitidos como eram há 40, 50 ou mais anos atrás! Patético, não? Evolução?! Hummm. Não propriamente!

Na verdade, eu acredito que uma das perguntas fundamentais para a compreensão da origem do problema seria:

"O que divide um questionamento sincero e uma insubordinação para com o mestre / sensei?"
Realmente, ainda nos dias de hoje, a linha que separa estes dois aspectos é ainda muito tênue e dado o "estado das coisas" é ainda natural que o questionamento, as dúvidas sejam vistas de forma bastante negativa... e temidas também.

"Por quê?" 

Sejamos minimamente honestos: porque todos nós sabemos que a grande maioria dos instrutores de ontem e de hoje não tinham/tem formação suficiente a nível teórico a respeito das artes que ensinam - daí os erros continuarem a ser (re)transmitidos como se de informação fidedigna se tratasse - simplesmente porque os instrutores dos instrutores e aqueles que os formaram previamente também não tinham esta mesma formação teórica!

"Mas qual é a desculpa AGORA para continuarmos a ensinar ERRADO aos nossos alunos?" 

Sejamos, mais uma vez, honestos para com nós próprios... todos nós sabemos a resposta para esta pergunta! (Acomodação, conveniência, interesse pessoal, desconhecimento puro e duro etc.. A resposta pode variar de caso para caso.)

Felizmente, já há esperança na nova geração de instrutores de Artes Marciais Japonesas - seja a arte que for - uma geração composta por instrutores de todas as idades que estão se lançando na busca de respostas fundamentadas, cuja preocupação principal é saber o certo para ensinar certo! Preocupação que nunca existiu até então.

Tenho tentado, através das entradas deste blog, fornecer informação fundamentada não àqueles que ainda estão agarrados à manutenção do Status Quo, mas àqueles que se preocupam com um ensino de qualidade e em fazer a diferença entre ser um bom ou mau pedagogo.

Para estes bons instrutores, deixo as palavras do Mestre Kanô Jigorô 嘉納治五郎:

力必達 CHIKARA HITTATSU. "Se alguém se esforçar (verdadeiramente), é certo que atinge os seus objetivos."

Para "o resto", para "os outros", deixo uma observação bastante óbvia: mais cedo ou mais tarde vão ser ultrapassados e esquecidos... se é que já não foram! (^_^)



A pergunta final:
Qual vai ser o seu contributo (construtivo) para o futuro da arte que pratica?

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[1] Eu prefiro usar "Gong Fu" para os ideogramas 功夫, pois estou acostumado com o sistema PIN YIN de transcrição fonética para o idioma Chinês, mas para efeito de "contexto" usei intencionalmente o termo "Kung Fu" por ser mais conhecido e popular.
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14 comentários:

  1. Como sempre incisivo, acutilante e com a qualidade habitual. Apesar de poder estar a pregar no deserto, mas com a certeza que terá alguns ouvintes! Daí eu ter lamentado o encerramento do blog e exultado de novo com a sua (re)abertura.

    É disto que nós precisamos! Na minha terra chamava-se a isto um "abre-olhos". E só é impossível ser um abre-olhos para os cegos... mas há muitos por aí!

    Obrigado Joséverson San!
    Grande abraço!

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  2. Caro Inocentes Sensei, o "deserto" não está "tão deserto" quanto isso!
    "Ouvintes" há muitos, o problema foram os longos anos sem "falantes"!
    O questionamento na história humana nunca foi incentivado, a busca por conhecimento sempre foi motivo de más interpretações e muitas vezes com finais trágicos... Lembra-se o "probleminha" que teve Giordano Bruno?!

    A grande realidade é que a expressão: "Dubito, ergo cogito, ergo sum." - "Eu duvido, logo penso, logo existo" de Descartes ainda incomoda muita genta.

    Apesar das relutâncias e dos contratempos, vamos evoluindo... e é isso que importa!

    "E, no entanto, ela move-se!" [Galileu Galilei]

    (^_^) Um grande abraço! Já não sou "um" no deserto se estamos a conversar!

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  3. Pelo menos temos sido dois... se juntarmos o Denis seremos três... e mais hão-de vir!

    Abração!

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  4. Ah! Os guerreiros contemporâneos, os defensores dos valores tradicionais marciais japoneses difundidos no ocidente!
    Pavoneiam-se sobre resultados competitivos, exultam os seus próprios feitos em todos os cantos da Internet - ou em qualquer outro lugar que conseguirem alcançar - e o quão tradicionais são os estilos de cada um.
    Corajosos defensores do "tradicional" (ou "a minha é mais tradicional do que a tua"), alguns até a evocar tradições dos Samurai... mas na primeira oportunidade onde esta coragem deveria ser mostrada, são os primeiros a curvar e calar!
    O que demonstra que os valores "tradicionais" são um tanto "relativos" e estão sujeitos às conveniências de cada "guerreiro" em particular.
    Yamamoto Tsunetomo, autor de HAGAKURE KIKIGAKI - o guia de conduta Samurai (disponível para download na Internet) (^_^), chamava a isso de "Bushidô Fraco".
    Não estaria esta ostentação de valores particulares a chegar às raias da hipocrisia pedagógica ou ética?
    Na realidade, somos, TODOS nós, responsáveis pelo maior ou menor grau de correção do ensino do Karate, do Jûdô, do Iaidô, do Aikidô, do Ninpô, etc., somos responsáveis por este estado deplorável e deturpado da transmissão do conhecimento marcial japonês realmente tradicional, quer sejamos mestres ocidentais ou orientais, pois todos deveriam REALMENTE transmitir os seus conhecimentos de uma forma o mais correta possível.
    O meu reconhecimento e aceitação da minha responsabilidade pelo "estado das coisas" diante do ensino obriga-me a procurar apresentar as informações o mais corretamente possível àqueles que - como eu - gostariam de ver as artes marciais japonesas ter reconhecidos os seus valores éticos realmente tradicionais, sem tretas místicas usadas para encobrir a ignorância e desconhecimento cultural efetivo.

    Sim, somos poucos, mas ao deitar a cada noite nós podemos dizer: "Fui honesto! Honesto para com os meus alunos sobre aquilo que ensinei e, acima de tudo, honesto para comigo mesmo ao saber que muito ainda tenho que aprender!" Porque não há maior mentiroso do que aquele que consegue mentir para si mesmo.

    Inocentes Sensei, OSU!

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  5. Ah, caros Goulart e Inocentes!

    Estou aqui sim!

    Talvez com dificuldades em "limpar meus olhos" das areias causadas pelas "tempestades" que cegaram meus olhos por muitos anos...

    "Areias" estas que nos fazem olhar e não ver!

    Porém, enxergando melhor e assustado com a quantidade de coisas que se pode ver quando se decide/consegue "enxergar".

    Tenho sorte por ter procurado remédio, pois em nosso tempo já há o "colírio" capaz de limpar a "aréia", e fazer os "olhos" enxergar melhor a cada dia... tudo na medida certa é claro... para que o "colírio" também não seja demasiado e possa causar distorções na visão.

    O mais importante é que mesmo enxergando pouco, não estou sozinho e conto com a ajuda daqueles cujo "colírio" já age a mais tempo e que conseguem olhar e ver! Coisa rara em nossos dias.

    Saudações,
    Denis Andretta.

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  6. Saudações a todos!
    Muito pertinente o texto e nos traz uma reflexão que é sempre necessária. Muitas vezes não valorizamos da maneira correta esse conhecimento que é fruto de estudos quando os passamos aos alunos, enquanto outros só ensinam aquilo que "vem na cabeça".

    É essencial que passemos a dar maior ênfase a tudo que é fruto de trabalho e dedicação honestos, assim nos valorizamos enquanto artistas marciais e não deixamos que os ditos "picaretas" incorram em uma má formação dos praticantes espalhados por aí.

    Abraços,
    Brandel Filho

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  7. Eu sou provavelmente o mais recente acompanhar o grupo e estou deslumbrado com o trabalho que vejo parece golfadas de ar a quem já pouco conseguia respirar.
    A meu ver A extensão do problema não se fica só por aqui, prefiro-vos contar a história do gato velho e do tigre forte:
    Era uma vez um gato velho muito rápido e um tigre muito forte, o Gato por ser tão rápido caçava os ratos com muita facilidade e nunca tinha fome, já o tigre tinha sempre muita dificuldade em conseguir caçar e passava muita fome... A uma determinada altura o tigre virou-se para o gato e disse:
    - O Gato tu que és tão rápido não me queres ensinar a tua técnica para caçar ratos? Em contra partida eu protejo-te uma vez que tu não estas no limiar de uma cadeia alimentar.
    O Gato aceitou, e assim foi, começou a formar o tigre nas suas técnicas mais rápidas para caçar ratos, até que num belo dia ao fim de uns tempos a fome apertava no tigre e resolveu saltar para cima do gato, que num piscar de olhos escapou-se, o tigre incrédulo, virou-se para o gato e disse:
    - O Gato então tu que me ensinas-te todas as tuas técnicas mais rápidas, como é que eu não te consegui apanhar?
    O gato respondeu:
    - O tigre mas tu julgas que eu sou parvo, guardei sempre para mim as minhas melhores técnicas que a própria natureza me deu... Crias-me comer toma...
    MORAL DA HISTORIA NEM TODOS OS MESTRES ENSINAM MAL POR FALTA DE CONHECIMENTO, AS VEZES FAZEM-NO DE PROPOSITADAMENTE DE FORMA A SE PROTEGEREM A ELES PRÓPRIOS COMO CONHECEDORES DE MATÉRIA, ESQUECENDO-SE QUE UM DIA VÃO MORRER SEM TEREM PASSADO TODO O CONHECIMENTO DELES, É A NATUREZA DO HOMEM QUE É INDIVIDUALISTA E EGOÍSTA QUE FAZ COM QUE ELES SEJAM MAUS FORMADORES...

    Abraço Marco Lopes

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  8. Osu.

    Estava comentando com karateka no facebook, sobre a barreira cultural dos primeiros imigrantes japoneses aqui, barreiras de lingua, de culturas e de valores. Acredito que para os primeiros mestres de artes-mariciais que chegaram aqui era bem complicado passar por esta barreira.

    Isto é algo que observo quando vejo as duas culturas interagindo, é sempre a mesma impressão, um ocidental olhando para um oriental, um falando o que é seu costume e o outro babando ovo do lado imaginando mil e uma coisas.

    Disto para o mistificação de cultura é um pulo.

    Hoje vejo inumeros cacoetes passados de sensei para aluno como se fossem verdades talhadas em pedra.

    Quando se pergunta quem foi que lhe ensinou isto a resposta vem:

    - Foi meu sensei.

    E para você provar que pau não é pedra é um sacrificio, pois foi o sensei dele que ensinou.

    Mas o maior problema é que vejo os cacoetes sendo feitos religiosamente e certos principios que deveriam ser seguidos como, o respeito, sendo totalmente negligenciados.

    Infelizmente não podemos obstrair certas "culturas" da cabeça de certas pessoas que já tem isto ou aquilo como verdade. Neste ponto é pior do que religião, é quase como mecher com uma entidade.

    O esclarecimento tem que ser com os mais novos, pois a antiga esta encroada nos erros e no orgulho próprio. Nem me dou o trabalho de me opor a estes.

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  9. Gostaria de salientar uma coisa: o Karate-do evoluiu temporalmente em Okinawa, num determinado contexto histórico, social e cultural... logo foi-se modificando.

    Quando foi exportado para o ocidente teve de ser adaptado a uma cultura diferente - logo evoluiu geografica e culturalmente...

    Nestas duas evoluções, algo se modificou, algo se perdeu, algo persistiu... chama-se a isso aculturação.

    Aculturação é diferente de deturpação!

    Abraço a todos!

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  10. Inocentes Sensei...

    Somos capazes de indicar exatamente esta «aculturação» dentro do Karatedô?
    Ou usamos esta definição apenas para validar a deturpação da transmissão do conhecimento?

    O problema é o antigo costume de estarmos sempre a arranjar desculpas para o fato de efetivamente faltar estudo e pesquisa por parte da esmagadora maioria dos instrutores de Karatedô.

    Acredito que a realidade de não sabermos - com certeza - aquilo que ensinamos não pode ser vista como aculturação.

    Assim sendo, o que pode ser visto como aculturação em se tratando de Karatedô?

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  11. Caro Joséverson:

    Eu digo claramente que aculturação é diferente de deturpação... tal como é diferente daquilo que Marco Lopes diz no seu último parágrafo.

    Vou pesquisar e tentar responder mais concretamente. No entanto já estou a dar algumas pistas em http://karatedopt.blogspot.pt/2012/05/oriente-e-ocidente-um-dilema.html.

    Grande abraço!
    Armando Inocentes

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  12. Inocentes Sensei, compreendo o seu ponto de vista e mesmo que eu não tenha o seu alto alcance a nível literário, acredito que temos um grave problema no termo "aculturação".
    O problema é que, por definição, "aculturação" pode ser entendida como:
    - Aculturação, s. f. Processo através do qual um grupo contacta uma cultura diferente e a assimila total ou parcialmente.
    Acredito que este termo possa ser usado no caso do "Brazilian Jiu Jitsu" ou das "novas artes", onde elementos de uma cultura original deram origem a uma outra cultura, um novo sistema.
    Contudo esta "aculturação" NÃO é válida para o Karate, porque este mantém os mesmos princípios originais. Não podemos assimilar um Karate "parcialmente", porque deixaria de ser - simplesmente - Karate. Poderíamos até chamar Inocentes Ryû, XPTO-Ryû etc., mas nunca Karate!
    Naturalmente, podemos sempre optar em criar um estilo novo, entitularmo-nos "Sôke", "Grão-mestre", "o supra-sumo"... de um novo sistema qualquer e continuar a difundir as nossas novas ideias, mas isso faria com que a arte deixasse de seguir a tradição estabelecida Era justificar a abandalhação do estudo e da pesquisa.
    A degradação dos comportamentos éticos e morais de uma cultura - referenciados por Ratti e Westbrook - podem realmente existir, mesmo que "“a difusão, ou seja, o transporte de realidades culturais de uma para outra cultura, não é um ato, mas sim um processo cujo mecanismo muito se assemelha ao de qualquer processo evolutivo”, como nos diz Malinowski, apenas reforçam a necessidade de ESTUDAR e PESQUISAR, buscando novamente os conceitos elementares.
    "A passagem do Karate-dō de arte marcial a desporto de combate (...) não é uma mutação repentina, mas um processo gradual (...) inserido em modificações socio-culturais e pela aculturação (importação) de uma realidade oriental na cultura ocidental." seria absolutamente correto se não tivéssemos a capacidade de aceder à informação original, o que não é o nosso caso. Podemos sempre alterar ou adaptar o conhecimento original à nossa realidade, mas - ao fazermos isto - quanto da arte, da ética e da moral originais permanecem?
    "Todo este processo originou aquisições e reinterpretações mas também degenerações, (...)" Eu acredito que as degenerações e as desigualdades no ensino das artes marciais japonesas só surgiram por acomodação ao erro transmitido. Uma busca sistemática e fundamentada seria suficiente para que a informação correta não se perdesse.
    "Johnson (3) diz que “a atitude ocidental é principalmente orientada para objectivos, pragmática e reducionista, apontando para a consideração do produto mais do que do processo, dos fins mais do que dos meios, e dos objectivos mais do que das experiências pelo seu próprio mérito. Em contraste, os orientais vêem as oposições como relação e fundamentalmente harmoniosas. Eles reconhecem uma não-divisão entre produto e processo, fins e meios, ou objectivos e experiências”." Concordo plenamente! E por transmitirmos a arte oriental, acho que eu não temos o direito a alterar algo que já foi previamente codificado e que posso ter acesso mesmo nos dias de hoje.
    "Daí que, se praticamos algo que é proveniente do oriente e desejamos preservar a sua originalidade, seja nossa a responsabilidade de a descobrir e a conhecer. Assim como a de a transmitir corretamente...". Concluímos que devemos "perder tempo" em resgatar aquilo que foi deturpado ou perdido ao longo dos anos. Devemos pesquisar, estudar, questionar e aprender aquilo que temos praticado.
    Basicamente, Inocentes Sensei, usamos várias palavras para dizer aquilo que aparentemente é bastante óbvio: a deturpação, a perda, a "aculturação" realmente existem, mas as fontes de pesquisa e a informação verificável também podem ser encontradas e fundamentadas.
    Não há desculpas que justifiquem a nossa real acomodação e retransmissão da informação errada.

    Um Abraço!

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  13. Nota:

    Sugiro a todos - enfaticamente - a leitura do texto de Inocentes Sensei em:

    http://karatedopt.blogspot.pt/2012/05/oriente-e-ocidente-um-dilema.html

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  14. Caro Joséverson:

    Totalmente de acordo: "a deturpação, a perda, a "aculturação" realmente existem, mas as fontes de pesquisa e a informação verificável também podem ser encontradas e fundamentadas.
    Não há desculpas que justifiquem a nossa real acomodação e retransmissão da informação errada."

    POR ISSO CONTINUAMOS A PESQUISAR E A TENTAR TRANSMITIR INFORMAÇÃO CORRETA E SEM FICAR NADA ESCONDIDO NA MANGA!

    Continuo a pesquisar... conclusões em breve (^_~)!

    Armando Inocentes

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