sábado, 4 de outubro de 2014

216. UVAS #30. Inconsistências.


Hoje vou divagar... simplesmente porque me apetece e porque este é o MEU blog!

NÃO CONTINUE A LER SE FOR DEMASIADO "SENSÍVEL"! 
(VERDADE! ATÉ PREFIRO QUE NÃO O FAÇA...) 

Estás avisado! 

Nessa historinha acima, a resposta do instrutor, na vida real e na maioria dos casos, pode ser: 

a) "Porque eu também não sei!" 
b) "Porque acomodei-me com o que me foi passado!" 
c) "Porque o que importa é <suar o karategi>!" 
d) "Porque eu sempre fiz assim!" 
e) Etc.. 

Este é o ponto em que estamos nas artes marciais japonesas ensinadas atualmente! 

Não é vergonha "não sabermos". Vergonha - mesmo - é contentarmo-nos com o pouco que sabemos! 

Li, algures, que "a arma mais letal do karate não eram as mãos ou os pés, mas um cérebro treinado"... De duas, uma: ou a maioria dos instrutores e praticantes ainda não sabe o que é Karate e, portanto, recusa-se terminantemente a usar o cérebro ou esta frase está completamente errada! 

Uma outra grande confusão que tem sido passada há gerações é a questão de que uma graduação DAN traz consigo "conhecimento efetivo". é por causa deste mito, isto é, de que "quanto maior for o número de Dan, maior será a maestria em uma determinada arte" é que se vê a corrida aos Dan. 2º, 3º, 4º, 5º, 6º 7º, 8º, 9º, 10º e mais além... tantos Dan! E quanto mais melhor! 

- "Ah! O Senhor "X" tem 547 Dan!" 
- "Nem me digas! O Senhor "Y" tem 1589 Dan e vai ao Japão todos os anos!" 
- "Mas isso não é nada! O Senhor "Z" é Sôke reconhecido no Japão e além disso tem milhares de artigos publicados nos mais variados e conceituados "sites" da especialidade!" 

O que isso significa exatamente? Para mim, nada disso aponta para um bom instrutor, porque o caráter não vem com a faixa, graduação, viagens, títulos ou "copy/paste"! Se és bom, és bom, se és trafulha, és trafulha! Não se muda uma personalidade de uma pessoa ao vestir-lhe um Karategi! 

Infelizmente já houve uma época em que eu também acreditava - ingênuo - nestas estórias, nestas tretas, neste embelezamento de determinados indivíduos... mas com o passar do tempo, esforçando-me para entender uma cultura que não era a minha, comecei a notar que alguns "conhecedores" (quase que "iluminados") não se esforçavam tanto quanto isto e faziam "parecer" que dominavam o assunto integralmente, dissimulando a sua falta de conhecimento com mais e mais Dan. 

Quem é que nunca passou por isso? Chega-se num estágio (pago) e não se pode fazer perguntas ao mestre que vem dar o estágio porque os "iluminados" já fizeram fila para ir almoçar com o mestre! 

Não se pode falar com os "iluminados" porque são, claro, "iluminados" e só falam com o pessoal da graduação deles!

Mas se conseguir falar com uma destas "sumidades", na realidade, basta um minuto de conversa com a "divindade" (quando ela permite, pois nem sempre está disposta a vir à terra falar com os meros mortais como nós, naturalmente) para que a sua torre, o seu templo de Dan e o seu pedestal efêmero começe a desmoronar. Desmoronam-se porque são baseados na mais pura e frívola vaidade, no "pavoneio" em mostrar para os outros quantos Dan a mais possui. Desmorona-se porque ao invés de buscar o conhecimento efetivo através do estudo sério, da pesquisa criteriosa, através de um trabalho contínuo e de um "gostar" verdadeiro do Karatedô, é movido por interesses muito particulares e, em muitos casos, bastante obscuros. 

Tenho conversado com pessoas, com as mais variadas graduações, nas mais variadas artes marciais japonesas... e sou capaz de citar os nomes de cada mestre que verdadeiramente faz juz a graduação que tem. Sou capaz de citar os nomes de cada um porque são raros (posso usar uma única mão para contar o número de mestres ocidentais que "sabem", que realmente têm experiência efetiva (prática e TEÓRICA) sobre as artes que ensinam. 

Eu compreendo o comércio, os interesses econômicos por trás da instrução marcial! Isso é completamente natural! O que eu não compreendo é o fato de que, estando transações monetárias em jogo, a qualidade do material vendido seja tão questionável! 

Tem-se dito que "só compra quem quer!", mas a realidade não é esta. A verdade é que há bons vendedores! 

- "Queres religiosidade? Procuras uma paz interior? Quiçá, meditação?! O Zen resolve isso!" 
(Porque todo faixa preta sabe Zen! Parece-me que vem com a faixa, acho eu...) 

- "Violência urbana?! Queres usufruir da arte da guerra?! Somos descendentes direto dos "samurais"... (Se precisar, até temos espadas!" (E, se trilhar a via do Ninja, temos ainda muito, muito, muito mais armas!!) 

Vende-se aquilo que o cliente quer! E, pode ter certeza... há muita criatividade à solta. 

Para poder separar o que é real do que é fantasia, para poder "comprar" exatamente aquilo que buscamos, seria necessário um conhecimento PRÉVIO... mas nós todos sabemos que não é isso que acontece! Em regra geral, alguém que não sabe nada, vai a um Dôjô e... 

Entramos no Dôjô e lá está um mestre, sentado numa pose budista qualquer e com 1238 Dan atados à barriga! 

-"Uau!" (Pensa o cliente.) "É a própria visão do paraíso!" 

- "Vou trilhar o Caminho da Paz interior e se alguém me chatear, dou-lhe um enxerto de porrada! Esta sim é "A" via: a paz interior do Zen + invencibilidade Samurai! Vou me tornar um Guerreiro da Paz!!" 

Engano puro e duro!

As artes marciais japonesas foram codificadas há muito tempo. Elas deveriam representar os valores ideais nos seres humanos: a disciplina, a retidão de caráter, o esforço verdadeiro. 

Mas o que fazemos nós? 

Brincamos aos Samurai invencíveis e leais discípulos - "até a morte" - do antigo código guerreiro chamado "Bushidô"! 

Brincamos aos Monges Shao-lin a sentar incomodamente sobre os joelhos numa paz infinita envolta em mistério e luz... Brincamos e brincamos! 

Um dia vamos cair na realidade de que as artes marciais japonesas são uma expressão cultural e, como tal, não está resumida a um punhado de chutes e socos ou imitar monges budistas!

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