Ah! Os contos de fadas! Unicórnios, arco-íris, borboletas, duendes, bruxas, magia… tanta coisa que nos fazem sonhar; coisas que nos fazem desejar viver em um mundo ideal…
Infelizmente, o modo de ensino é assim para a maioria das escolas de Artes Marciais Japonesas, onde ainda apregoam-se "valores dos samurais” como se estes também não tivessem o seu lado negativo. Contudo, não estou a dizer que estes valores de honra e dever para com os seus lordes não existissem entre os Samurai, muito pelo contrário, isto é um fato mais do que comprovado historicamente.
Mas há algumas questões que eu coloco para todo instrutor que julga seguir os modelos de marcialidade dos antigos Samurai e elas são as seguintes:
- Conhece realmente a história do Japão?
- Conhece realmente a história dos Samurai?
- Conhece realmente a história do ser humano?
Basicamente… conhece história?
Vamos, então, relembrar – muito superficialmente – uma situação “Samurai” bastante particular do período Edo que era o KIRISUTE GOMEN, isto é, o direito que todo Samurai tinha de matar quaisquer cidadãos comuns que lhes faltassem o respeito. (Tenho certeza que os “samurais ocidentais” já estão a achar que isto era o “respeito ao poder dos samurai”.) E há relatos a demonstrarem que, a fim de testar uma nova espada, este direito era evocado, para inspirar temor nos aldeões, este direito era evocado... ou seja, qualquer pretexto era bom para matar uma pessoa comum. O que, de fato, não é nada honroso ou modelo a seguir – mesmo nos dias de hoje!
Será que para 80% da população Japonesa do periodo feudal, os samurai tinham o "ar de romantismo" que vemos ser difundido em livros, filmes, "sites", "blogs", escolas e assim por diante?
Não me parece...
Por fim, com o final do xogunato Tokugawa e o restabelecimento do poder do imperador Meiji, em setembro de 1871 este direito de matar as pessoas comuns foi retirado aos Samurai.
Mesmo assim, como em qualquer canto do planeta, como em qualquer escola de artes marciais, há pessoas boas e há pessoas más, há bons instrutores e há maus instrutores, há bons exemplos e há maus exemplos e (pasmem!) isto também acontece dentro da civilização japonesa!
(Estudem “um pouquinho” sobre a expansão japonesa durante a Segunda Guerra Mundial…e irão ver que os maus exemplos continuaram a se repetir. Aprendam, portanto, a ver além do que está diantes dos seus olhos e que "tudo" tem o seu lado positivo e o seu lado negativo.)
Mentimos a nós próprios, contamos estórias atrás de estórias sobre um mundo que só existe na nossa cabeça, criamos um universo onde o ser humano é infalível, onde os valores morais sobrepõem-se à visível degradação dos valores sociais e éticos… "Como os antigos Samurai!" O problema é que não vivemos no “país das maravilhas” e, em se tratando do ensino das artes marciais, a “toca do coelho” é bem mais profunda do que imagina a maioria dos instrutores.
O que nos remete, vezes sem fim, à questão do conhecimento, fundamentação, pesquisa, estudo, questionamento e transmissão daquilo que sabemos.
A pensar sobre o empenho na obtenção do conhecimento, surge a questão: “será que eu quero realmente formar “um samurai” (o que é historicamente a demosntração inequívoca de que não conhece o desenvolvimento da cultura japonesa) ou eu quero formar um elemento útil à sociedade com base nos valores corretos de retidão moral apregoados pelo antigo Bushidō?”
Cabe a cada um, honesta e introspectivamente, responder esta pergunta.
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