quarta-feira, 5 de setembro de 2012

89. Shuri-te, Naha-te e Tomari-te.

Antes de tecer qualquer comentário a este respeito, vou colocar o artigo (muito bom) escrito pelo Denis Andretta a este respeito como ponto de partida para posteriores observações.

"Ah! Pensar... Eis uma ferramenta interessante.

Vejamos... Se 
“Em Okinawa [沖縄], Tōde [唐手] sempre foi Tōde [唐手]... toda e qualquer alteração, seja ela qual for, ocorre a partir do momento em que os mestres do arquipélago decidem expandir/divulgar sua arte fora do conjunto de ilhas” (ANDRETTA, Denis).
Até a chegada da Arte Marcial de Okinawa [沖縄] as ilhas principais do Japão não havia distinção de estilos. Em Okinawa [沖縄] cada mestre tinha sua ênfase de trabalho baseado em suas experiências pessoais e na instrução que haviam recebido de seus mestres, porém não nomeavam seus conhecimentos.

Façamos um pequeno resumo do que circula a cerca deste tema por aí...

Desde tempos remotos existia em Okinawa [沖縄] uma arte marcial conhecida como Te [手][1]. Esta arte marcial recebe influências do Quán-fǎ[2] (Kenpō) chinês e passa a ser conhecida como Tōde [唐手], nome que reconhece a influência da China dentro da arte praticada em Okinawa [沖縄]. 

Na maioria das bibliografias menciona-se que havia três grandes centros de treinamento de Tōde [唐手] em Okinawa [沖縄] no final do século XVIII, que um deles situava-se na cidade de Shuri [首里][3], (...) outro se situava na cidade de Naha [那覇][4], (...) e o último ficava na cidade de Tomari [泊][5] (...). 

Diz-se ainda que por volta deste período cada uma destas cidades teria passado a desenvolver um estilo próprio de Tōde [唐手], distinto dos demais. Sendo assim, os estilos teriam passado a ser conhecidos pelo nome da cidade na qual era praticado, ou seja: Shurite [首里手][6], Nahate [那覇手][7] e Tomarite [泊手][8].

Na história que nos contam sobre a origem dos estilos de Karatedō [空手道] há algo de estranho, não acham? Por quê?

Mesmo se nós admitirmos que isso tenha acontecido assim... há um problema aqui... Por que “Shurite”, “Nahate” e “Tomarite” e não “Shuri-tōde”, “Naha-tōde” e “Tomari-tōde”? Nesta época (alías há muito tempo), a arte já não era conhecida simplesmente como o Te [手] (como foi outrora)... mas sim Tōde [唐手].

Não senhores! O Tōde [唐手] NÃO deu origem a três grandes centros de treinamento. Isso foi mais uma, entre tantas outras, “estratégias” políticas... que buscava agradar as autoridades japonesas da época visando uma única coisa: A ACEITAÇÃO DA ARTE POR PARTE DOS JAPONESES.

“O que? Tá louco?” Alguém deve estar pensando a esta altura.

Calma lá... vamos entender como a “coisa” se deu.

Infelizmente, a história do Karatedō [空手道] não é clara e, geralmente, as questões políticas, sociais e culturais não têm sido levadas em consideração pela maioria dos historiadores (em grande parte por tratar o Karatedō [空手道] como uma arte marcial japonesa). 

Esta distinção, Shurite [首里手], Nahate [那覇手] e Tomarite [泊手], surge apenas em 1927 e como tantos outros aspectos que cercam a história do Karatedō [空手道] possui cunho político.

Quando da segunda viagem de Jigorō Kanō [治五郎嘉納] a Okinawa [沖縄], por convite da Yūdansha-kai [有段者会] de Jūdō [柔道], o então Prefeito de Okinawa [沖縄] teve a ideia de apresentar o Tōde [唐手] ao ilustre visitante, porém para eliminar os perigos políticos resolveu fazê-lo apresentando a arte como sendo produto das cidades onde eram praticadas. Foi assim, que na ocasião Kenwa Mabuni [賢和摩文仁] apresentou o “Shurite [首里手]”, Chōjun Miyagi [長順宮城] demonstrou o “Nahate [那覇手]” e Chomō Hanashiro [長茂花城] mostrou o “Tomarite [泊手]”. Porém, até este momento da história o nome genérico usado por todos os mestres de Okinawa [沖縄] era mesmo Tōde [唐手] (inclusive por Gichin Funakoshi [義珍船越] que nesta época já estava instalado no japão). 

Resumindo, estas denominações “Cidade+TE” surgem para agradar o influente mestre japonês Jigorō Kanō [治五郎嘉納]... e só foram conhecidas - como disse antes - a partir de 1927. Fora esta "politicagem", o Tōde [唐手] nunca deixou de ser Tōde [唐手].

"Tōde [唐手]" como sendo o termo genérico é um fato que pode ser comprovado por Gichin Funakoshi [義珍船越] o ter inserido nas suas publicações em 1922 e 1925. Apenas em 1935 é que aparece o termo Karatedō [空手道]. 
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Notas:

[1] Te [手] – Mão ou técnica.
[2] Quán-fǎ [拳法] em Chinês (sistema Hànyǔ Pīnyīn [漢語 拼音]) é lido Kenpō [拳法] em japonês (Sistema Hepburn). Literalmente significa "lei(s), regra(s), doutrina(s) dos punhos". O termo mais conhecido hoje em dia - e errado - para designar esta arte é Kung-fu [功夫] (na realidade Gong-fu [功夫] {sistema Hànyǔ Pīnyīn [漢語 拼音]} como arte marcial não existe). Gong-fu [功夫] significa literalmente "Homem com mérito(s)" basicamente é qualquer pessoa que faça bem o seu trabalho... um professor, um dentista, um carpinteiro... qualquer um que cumpra bem o seu ofício ou que tenha mérito em alguma coisa é Gong-fu [功夫].
[3] Shuri [首里] – Cidade de Okinawa [沖縄].
[4] Naha [那覇] – Cidade de Okinawa [沖縄].
[5] Tomari [泊] – Cidade de Okinawa [沖縄].
[6] Shuri-te [首里手] – Mão ou técnica de Shuri [首里].
[7] Naha-te [那覇手] – Mão ou técnica de Naha [那覇].
[8] Tomari-te [泊手] – Mão ou técnica de Tomari [泊]."

Artigo original: Karatedō.net - Dōjō Virtual.

Concordo plenamente com o raciocínio do Denis... e agora, passemos a algumas fundamentações do seu artigo:
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*** Fundamentação 1: ***

"In preparation for Kano Jigoro's monumental visit to Okinawa in January of 1927, the prefecture recommended using a name that might characterize Toudi-jutsu as a martial tradition more closely associated  with Okinawa rather than the existing name, which accented its foreign origins. In doing so the terms Shuri-te, Naha-te, and Tomari-te (meaning the te disciplines that were native to Shuri, Naha and Tomari) were born."
In Ancient Okinawan Martial Arts, by Patrick McCarty and Yuriko McCarty.
Página 131, ponto 13.

Apenas para tornar as coisas ainda mais claras... 

"Em preparação para a visita monumental de Kanō Jigorō (fundador do Jūdō) a Okinawa em Janeiro de 1927, a prefeitura (de Okinawa) recomendou a utilização de um nome que caracterizasse o Tōde-jutsu como uma tradição marcial mais aproximadamente associada a Okinawa do que ao nome existente, o qual acentuava as suas origens estrangeiras. Ao fazer isso, os termos Shuri-te, Naha-te e Tomarite (significando as disciplinas TE que eram nativas de Shuri, Naha e Tomari) nasceram (foram criados)."
No livro "Ancient Okinawan Martial Arts" escrito por Patrick e Yuriko McCarty. Página 131, ponto 13.
Artigo original: Ancient Okinawan Martial Arts.
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*** Fundamentação 2. ***

"Ma fu nel 1927 che il karate conobbe una svolta. Fu in questa data infatti che il grande maestro Jigoro Kano pianificò una visita ad Okinawa. Per l’evento si prepararono delle celebrazioni di benvenuto, tra le quali era compresa una dimostrazione di to-de. Non era la prima volta che Kano visitava Okinawa. Secondo la testimonianza di Gima Shinkin (1896-1989, studente di Itosu prima e di Kentsu Yabu poi: fu il presidente degli istruttori di karate delle scuole di Okinawa; fu lui ad assistere Funakoshi a Tokio nelle sue dimostrazioni del 1922, sia alla “Prima Esibizione Nazionale di Atletica” poi al Kodokan davanti a Jigoro Kano), già nel 1926 Kano era venuto 4 volte ad Okinawa per tenere dei seminari, ma non aveva mai assistito ad una dimostrazione di to-de. Questa volta, a Mabuni e Miyagi fu chiesto di organizzare una dimostrazione per illustrare la loro arte. In questa occasione, venne chiesto a Mabuni di cercare un nome alternativo a to-de, che suonava troppo cinese. Senza tenere in considerazione il precedente tentativo di Hanashiro Chomo, che aveva intitolato ‘karate kumite’ utilizzando i kanji per ‘mano nuda’ quella che forse è la prima pubblicazione sul karate, ci fu generale accordo sul fatto di inquadrare il to-de a secondo delle zone geografiche dove era stato principalmente coltivato, ossia shuri-te, tomari-te, naha-te. È sempre Gima Shinkin a testimoniare che prima di allora mai si era parlato di shuri-te, tomari-te e naha-te, ma che l’arte si chiamava genericamente to-de. Nel 1928, furono Miyagi e Mabuni ad informare Funakoshi del cambiamento. Dal momento che la dimostrazione del 1927 venne allestita dal Ministero dell’Educazione, venne chiesto a Mabuni di illustrare i principi dello shuri-te (fondamentalmente i kata pinan e naianchi), mentre a Miyagi spettò il compito di illustrare il nahate. Mabuni era convinto che una simile dimostrazione non avrebbe facilitato l’espansione del karate, e pregò Kano di voler assistere ad una dimostrazione offerta dai maestri più abili dell’epoca. Fu così che la mattina dopo Kentsu Yabu, Hanashiro Chomo, Chutoku Kian, Miyagi e Mabuni dimostrarono i kata e le loro applicazioni in privato a Jigoro Kano. (...)"
Artigo original: Federazione Italiana Arti Marzial.

(Italiano é fácil de entender, por isso não vou traduzir.)
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Agora, mais alguns comentários a este respeito:

1. É incontestável que na esmagadora maioria das obras publicadas sobre Karate, esta "manobra política" não é mencionada... (^_^) É-nos passada a informação de que "Shuri, Naha e Tomari seriam os três grandes centros de prática, blá, blá, blá..." sem que isso seja verdade.
Mais uma vez estamos diante de transmissão de informação errada ou "bastante obscura" sobre o Karate, sem qualquer fundamentação histórica.
Resumindo essa história "CIDADE+TE": 1927 e ponto final!

2. Não menos numerosos são os instrutores que não conseguem associar a história do Karate a Kanō Jigorō (o fundador do Jūdō), chegando mesmo a dizer coisas do tipo: "Não podemos comparar o Jūdō ao Karate porque são coisas completamente diferentes".
Errado!
Sem reconhecer a ligação direta entre o desenvolvimento do Karate no Japão [Atenção aqui! Eu disse "no Japão"!] e Kanō Jigorō, a história do Karate mais parece um queijo suiço! Não é de ficar surpreso o fato de haver várias "lacunas" na história do Karate, criadas por elementos que tentam dissociar o Karate do Jūdō por motivos que só a eles dizem respeito.

3. Novamente, e não me canso de repetir isso, enquanto não houver pesquisa e esforço sérios a respeito da transmissão do conhecimento marcial, tretas, informação errada e misticismos continuarão a ser difundidos como informação correta apenas para mascarar a falta de conhecimento efetivo por parte de um grande número de indivíduos.

4. Não é a cor da faixa, nem os "milhares" anos de prática de uma pessoa que trazem o "CONHECIMENTO" a respeito de qualquer arte marcial. O conhecimento vem com a PRÁTICA e o ESTUDO (pesquisa, análise e verificação da informação transmitida).

5. Sentir-se "ofendido" e ficar a se lamentar ou choramingar porque alguém nos fez cair na realidade de que nada sabemos é uma atitude patética! Antes de tentar "parecer" honestos aos olhos dos outros, devemos "ser" honestos com nós próprios e com aquilo que sabemos realmente.
Aparência, meus amigos, não é competência!

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Nota: 
Caso fique "ofendido" com algo que eu tenha escrito (seja onde e quando for)... há sempre outros Blogs com informação menos direta e com "palavrinhas mais bonitinhas"! (^_^)
(In)felizmente não sei usar "floreios" ou subterfúgios para coisas que são mesmo diretas.
Se "errado" é pior do que "incorreto" ou se devia ter usado "menos correto"... só perde tempo com estas tretas quem NÃO "perde tempo" com pesquisa e estudo! Porque, estas pessoas, com esse "estratagema" (da importânica do uso de "palavrinhas lindinhas") "fogem" à questão fundamental do assunto tratado!
Contudo, se a informação que eu coloco for útil, então o uso de palavras "mais (ou menos)" bonitinhas não faz sentido, pois não? (^_^)

Um comentário:

  1. Ainda bem que há alguém a investigar e a abrir-nos os olhos!

    Aliás, sabemos bem, posteriormente, qual o papel do Butokukai...

    Obrigado Denis e Joseverson!

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