domingo, 30 de setembro de 2012

93. "Mokusō 黙想 - #1"

Bem. Hoje resolvi criar uns "desenhitos" para passar o tempo, por isso vão como estão...(^_^)

Não basta entitular-se "sensei", há de SER Sensei!

sábado, 29 de setembro de 2012

92. Falemos sobre... Tatuagens!

Hoje vamos "aliviar a pressão" e falar de um outro assunto relacionado com as culturas orientais, isto é, tatuagens que envolvam ideogramas que se referem aos signos do zodíaco.

Há algum tempo atrás, um conhecido veio mostrar-me a sua tatuagem que representava o seu signo zodiacal oriental... 

Ele estava todo feliz por ter tatuado "Tigre" no braço... 

Mas como é que se diz para uma pessoa que ela não tem tatuado no braço exatamente aquilo que pensava?
Algo que vai ficar para a vida (ou para remover vai ser uma chatice).

Isso leva-nos a............. exatamente: mais PESQUISA!

Tecnicamente falando, "pesquisa" não por parte de quem quer uma tatuagem, mas por parte de quem FAZ a tatuagem.

A nível de escrita Chinesa ou Japonesa, há uma grande diferença entre o "signo zodiacal" e o "animal real"... basta ver no quadro a seguir.


Pois bem. Este meu conhecido tinha o "animal real" tatuado no braço e não o signo zodiacal.

Não sei se era exatamente isso que ele queria, mas a verdade é que, ao entrar na loja para ser tatuado, ele tinha em mente o seu signo zodiacal, mas levou tatuado o animal real.

Naturalmente, não dei a minha opinião, pois o rapaz estava muito feliz com a sua tatuagem! (^_^)

Como podem ver, os problemas de pesquisa não são exclusivos das artes marciais... estão em todos os assuntos que envolvam a cultura nipônica.

Conforme dito na entrada anterior: se não sabe, pergunta para quem sabe!
PRINCIPALMENTE se o assunto envolver tatuagens!

Outro "motivo" bastante procurado pelos ocidentais quando da tatuagem são os seus nomes próprios... Aqui a situação fica mesmo "fora de controle".

Existem regras específicas a serem observadas a respeito da escrita de palavras estrangeiras (não japonesas) utilizando os caracteres japoneses (estas regras podem ser encontradas nas publicações de Fundação Japão).

A não observação destas regras ortográficas leva a que muitas pessoas tenham tatuado coisas que não refletem os seu nomes verdadeiros e, consequentemente, aparecem "distorções"... o problema é que - teoricamente - a tatuagem vai ser para toda a vida!

Esse assunto traz-me à memória outra matéria bastante cheia de "problemas" de escrita japonesa...

Não vi ainda isto acontecer em Jūdō (talvez por os estágios com mestres Japoneses serem bastante restritos) e tendo pouquíssima experiência em Aikidō, também não vi este fenômeno acontecer nesta arte, mas no Karate... isso é bastante comum acontecer: 

Quem é que ainda não viu em estágios de Karate com mestres japoneses, os ocidentais levarem as faixas para que os mestres escrevam os nomes dos praticantes em Japonês na mesma?

Pois bem, como poucos ocidentais têm conhecimento sobre as diferenças ortográficas entre japonês e as línguas com alfabeto latino, o que acontece na maioria das vezes é terem os seus nomes mal escritos (não intencionalmente ou por falta de zelo do mestre japonês, mas porque o idioma japonês não tem consoantes soltas, consoantes isoladas frequentemente encontradas nos nossos nomes ocidentais... e faltam também alguns fonemas (sons) para que se possa escrever corretamente alguns nomes ocidentais) pelos referidos mestres japoneses.

Portanto, na eventualidade de entregar a sua faixa para colocar o seu nome em japonês, esteja ciente de que há uma grande probabilidade de o seu nome ser escrito errado (inadvertidamente).

Esta situação pode ser vista, como eu disse, nos estágios de Karate ou... (aqui a coisa fica mais "estranha") em CERTIFICADOS de graduações que apresentam os nomes dos seus detentores ocidentais mal escritos em japonês.

Existem sites que convertem os nomes ocidentais em KATAKANA (o silabário japonês antigo) que é o conjunto de caracteres utilizados para escrever nomes "não japoneses". 

Portanto, mais uma vez, um pouquinho de pesquisa prévia pode resolver, minimizar ou prevenir alguns destes problemas.

(^_^)

sexta-feira, 28 de setembro de 2012

91. Uma brincadeira... séria.

No decorrer desta semana, durante o treino de Aikidō, estávamos a conversar (eu e o Luís) sobre apresentação de informação básica que o Luís estava a preparar para nos dar (a mim e aos demais alunos do nosso clube), quando o Luís, em tom de piada disse: “Será que o Joséverson Goulart aprova este trabalho?” Achei que, para manter o espírito de brincadeira, deveria criar um “selo de qualidade” para fornecer ao trabalho do Luís… e assim o fiz!


Portanto, como brincadeira, coloquei um ”selo de qualidade” no trabalho do Luís – e, aproveitando a ocasião – coloquei um selo no trabalho do Denis Andretta também. (^_^) [Acreditem-me, não o fiz de ânimo leve.]
Porém, o que eu não podia esperar era que um assunto que começou por brincadeira tomasse as proporções que tem tomado, desde o seu começo há dois dias atrás até ao momento.
Alguns autores de obras diversas sobre artes marciais (Karate e Jūdō na sua maioria) , amigos no Facebook, perguntaram-me – também em tom de brincadeira – se os trabalhos deles também levavam um “selo de qualidade Joséverson Goulart”…
Caros amigos, gostaria de deixar uma coisa bastante clara a respeito da “brincadeira” com o Luís e o modo como eu vejo as publicações, blogs, sites etc. a respeito da cultura japonesa (da qual eu gosto mesmo MUITO): mesmo que seja uma brincadeira despropositada (naquele momento), o Luís e o Denis SÓ receberam o selo porque os trabalhos deles preenchem TODOS os requisitos que eu considero importantes em trabalhos sobre a cultura japonesa e, neste ponto, eu não brinco!
Deixem-me, então, “explicar” a brincadeira e, só então, poderão entender que de “brincadeira” só tem o contexto.
Pois bem… os requisitos para receber o “Selo de Qualidade Joséverson Goulart” (indicados na figura do próprio selo) têm dois aspectos essenciais:
  • 1 - A exatidão cultural japonesa. (Dos pontos 1 ao 5 nos requisitos.)
  • 2 - A exatidão do conteúdo da informação. (Ponto 6 nos requisitos.)
Se não satisfeitos TODOS os requisitos, mesmo a brincar, eu não considero o trabalho como sendo BOM e, portanto, não vou mentir ou validar algo que eu mesmo não acredito, nem indicaria tal trabalho como fonte de pesquisa efetiva ou fidedigna (porque na realidade não o é).
Consequentemente, dado o meu compromisso com aquilo que eu acredito e com os princípios que eu defendo, cumpre-me lembrar algo que também encontrei no Facebook há alguns dias (^_^):

“O errado é errado, mesmo quando todos o estiverem fazendo, o certo é certo, mesmo quando ninguém o estiver fazendo.”

Nada podia estar mais dentro do que eu penso!
Neste sentido, apesar de eu não gostar de mostrar trabalhos mal feitos (por uma mera questão de educação) é necessário – dado o pouco crédito que algumas pessoas dão ao que eu digo (^_^) – dar um exemplo de vida real às pessoas que gostam de escrever livros, publicar artigos, criar blogs e sites sobre assuntos que dizem respeito à cultura japonesa para que as mesmas tenham em mente constantemente que os seus trabalhos estão sempre a ser vistos por quem sabe menos, o mesmo ou mais do que elas.

Há alguns anos atrás, houve aqui em Portugal um estágio Internacional de Shitō-Ryū, para o qual eu fui convidado. O convidado principal era um Mestre japonês – não vou citar nomes dos intervenientes por questões óbvias (a não ser que os mesmos queiram que eu os identifique). 
Estávamos na casa do organizador do evento momentos depois do estágio, entre uma conversa e outra, o Mestre e eu estávamos a ver os imensos livros sobre artes marciais na biblioteca do organizador do estágio. Entre tantos livros, de repente, o mestre japonês paga o seguinte livro...



E diz (suas palavras EXATAS foram): “Isso está errado!”

(É fácil lembrar uma frase tão curta e tão acertada! (^_^) )

Passa-me o livro e continua: “Este Kanji está errado!”



Para quem escreve artigos, livros, etc. sobre este estilo de Karate, o erro é - ou deveria ser - evidente!



De fato, falta um traço no ideograma! O Ryū  da palavra Shitō-Ryū 糸東流 é composto por 10 traços, este que está na capa do livro tem apenas 9 traços!
O Kanji apontado pelo Mestre está MESMO errado! E não há voltas a dar! Não há desculpas, não há palavrinhas mansas para encobrir um trabalho mal feito! E, podem ter certeza, este não é um caso isolado! Há muuuuuuuuuitos mais!
Se cobramos, exigimos a correção dos movimentos a respeito dos Kata, das técnicas… porque também não somos rígidos na apresentação da informação correta?

Alguém agora vai dizer:

- “Mas eu não sei japonês!”

Se vai publicar um livro, escrever um artigo, criar um site, ou difundir um Blog sobre cultura japonesa, não precisa - necessariamente -  saber japonês! Basta perguntar para quem sabe! 
Nesta altura da evolução onde estamos ligados por redes sociais, basta procurar o nome de alguém e fazer a pergunta diretamente! 
Não se justifica apresentar trabalhos com erros grosseiros por causa de pouca informação e da falta de verificação da mesma.

- “Mas eu não quero perguntar! Eu já sei isso!”

O fato de “não perguntar”, talvez apenas comprove que quem diz tal disparate não sabe mesmo nada a respeito do que supostamente está a difundir... Não é de admirar, pois, a quantidade de trabalhos medíocres difundidos por todo o mundo!

Voltemos aos trabalhos sérios e vejamos cada um dos requisitos (Ah! Não é necessário perguntar-me o que é necessário para receber o “Selinho”, basta ler os requisitos e ver se o seu trabalho se enquadra em cada um dos os pontos):

1 - Apresentar sistema de transcrição fonética oficial.
2 - Palavras japonesas sem terminação “S” no plural.
3 - KANJI (ideogramas japoneses) corretos.
4 - KANA (caracteres japoneses) corretos.
5 - Tradução correta das palavras e expressões japonesas.
6 - Informação fundamentada em pesquisa efetiva.

            Como eu disse anteriormente, dos pontos 1 ao 5 são "o respeito pela cultura japonesa e a forma correta de expressar o idioma".
            Novamente: se não sabe japonês, pergunte para quem sabe! O que não pode é apresentar informação “ao calhas”, sem qualquer fundamentação válida.
            O ponto 1: existem três sistemas oficiais para passar os ideogramas e caracteres japoneses para as letras do nosso alfabeto, a saber: KUNREI, NIHON e HEPBURN. Basta escolher aquele que mais gostar!
O ponto 2: não há coisa mais frustrante do que ver as regras ortográficas portuguesas sendo aplicadas à língua japonesa! Nenhuma palavra japonesa tem plural acabado pela consoante “S”… Nenhuma!
Os pontos 3 e 4: Estes dois pontos são opcionais, porque não há, em se tratando de publicações ocidentais, a obrigação de se apresentar ideogramas ou caracteres japoneses – DESDE QUE o sistema de transcrição fonética seja obedecido!
Contactou-me um autor dizendo que a sua editora não permitia a inserção de ideogramas e caracteres japoneses porque isso iria aumentar os custos da edição. Exposto isto, nestes termos, nada mais natural do que manter apenas a transcrição das palavras e expressões japonesas.
O ponto 5: neste ponto há muita coisa “convenientemente inventada” a ser partilhada como sendo informação correta. Vou dar apenas um outro mal exemplo, onde uma única expressão foi colocada num livro de Karate representando um significado completamente “estranho” ao significado original. Eis o que estava no livro:

気本 Kihon – “Espírito fundamental”.

Eis o que deveria estar no livro:

基本 Kihon – “Fundamento(s), Base(s)”.

A explicação para o número de problemas que este livro levantou daria para escrever outro livro, porque, em primeiro lugar, o autor não se deu ao trabalho de verificar se o ideograma era o correto (o que definitivamente não o fez); em segundo lugar, lançou uma tradução que partindo de ideogramas isolados (e errados) fez com que o próprio autor entrasse em divagações (acredito que, se no preciso momento em que estivesse a escrever Kihon, tivesse perguntado a si mesmo: “Eu sei o significado disso?” e feito uma pesquisa breve, esse problema teria sido resolvido!) ; em terceiro lugar, lançou o assunto para o mundo da espiritualidade (coisa que apaixona os amantes das artes marciais) e tantas outras coisas que advém de um erro básico… o que nos leva, por fim, ao…
Ponto 6: Pesquisa! Eis a “pedra no sapato” de todo autor sério! (Porque também há autores pouco sérios.)
Atirar informação na internet, qualquer um faz! Eu digo “qualquer um” MESMO!
Contudo, questionemo-nos: “o que de fato pode ser fundamentado nas publicações que encontramos difundidas pelos meios de comunicação, os “media”, livros, revistas, jornais, blogs e sites?”
(^_^)

Assim, para concluir esta abordagem ao “Selo de Qualidade Joséverson Goulart” (^_^) uma coisa que inicialmente era uma brincadeira a nível do clube onde pratico Aikidō, está profundamente baseada em requisitos válidos para TUDO que se difunda como informação fundamentada e correta sobre a cultura japonesa, quer sejam artes marciais, cerimônias do chá, criação de carpas, cultivo de bonsai, manufatura de armaduras, pinturas em blocos de madeira, religiões, danças etc..

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

90. Para faixa amarela… NINGUÉM REPROVA!


*** Artigo destinado a instrutores de Vias Marciais japonesas. ***

No mundo das Vias Marciais japonesas, o contexto é muito importante… o contexto histórico, o contexto social etc.. Neste sentido, as graduações não são exceção. Elas também estão ligadas ao “contexto”. Um exemplo disso é a afirmação, muito conhecida entre instrutores de Jûdô, Karate, Aikidô etc. de que “para faixa amarela ninguém reprova”. Essa afirmação é completamente válida se levarmos em consideração o contexto de atribuição de uma graduação como incentivo para que o aluno continue o treino.
Foi pensando neste contexto em particular – do incentivo – que se desenvolveu o Sistema Kawaishi de graduações, amplamente difundido no ocidente (neste sistema existem as faixas: Branca, Amarela, Laranja, Verde, Azul, Marrom (Castanha) e Preta – essencialmente para manter o interesse dos ocidentais no treino… e foi bastante acertada esta alteração das cores das faixas) em contraste com o sistema original japonês: Branca, Marrom (Castanha) e Preta.
Assim, como “incentivo” – e por ser “incentivo” – as exigências foram reduzidas ao mínimo e, confirmando a regra, ninguém, na realidade, reprova para a faixa amarela!

Contudo, será que essa afirmação é realmente válida num outro contexto?

Por exemplo, esta “não exigência” técnica (notem bem que eu nem estou a falar na exigência teórica!) é extremamente prejudicial para o praticante a longo prazo porque o aluno acostuma-se à “brandura” e a “não necessidade de buscar sempre mais” do exame de graduação e, numa graduação mais avançada, se não aprovado, culpará sempre o instrutor… por não o ter incluído na lista de exame, por não o ter aprovado e assim por diante... E, se os alunos são pequenos (crianças), os próprios pais encarregam-se de fazer pressão sobre o instrutor para "agilizar" a graduação - venha ela como vier! (^_^) Fazendo com que as graduações, além de incentivo, passem a ter um "caráter obrigatório"!
Eu sei que neste ponto alguém vai colocar o dedo no aspecto “sócio-económico” da coisa, mas o meu interesse está, à partida, no "conhecimento" efetivo do aluno e o seu desenvolvimento gradual e constante. De fato, são inegáveis os diversos aspectos de gestão do Dôjô… mas os alunos também não o são?
Esta "brandura", esse “deixa lá porque ele(a) é amarelo (laranja, verde ou azul)…”, além de permitir muitas situações constrangedoras nos exames de graduação, cria a situação mais patética que pode ser vista constantemente nos exames de graduação para Shodan (“Nível inicial” – quando se recebe a primeira faixa preta): são as exigências técnicas quase às raias da irracionalidade ao faixa marrom (castanha) para que o mesmo tenha um desenvolvimento técnico ao nível dos faixas pretas – só então será aprovado!
Todos os instrutores de Vias Marciais japonesas sabem exatamente do que eu estou falando em se tratando de exame para Shodan! Aquele venerado "ritual de passagem" do mundo dos Kyû para o mundo dos Sensei... Mas vamos usar o cérebro um pouquinho: se o instrutor é brando nas faixas que antecedem à faixa marrom (castanha) – isto é: amarela, laranja, verde e azul – como pode o instrutor esperar um desempenho elevado num faixa marrom (castanha) quando o próprio instrutor não manteve este nível elevado desde o começo?

“Os faraós tinham razão, a solidez está na base!”

Se determinados níveis de exigência fossem mantidos desde cedo, um faixa marrom (castanha) chegaria a um exame de faixa preta sem qualquer problema (técnico e teórico) e as exigências ridiculamente elevadas e impostas não existiriam. É tão simples como isso! Porque, se mantido um nível de instrução elevado, seria um exame a mais entre tantos feitos pelo aluno e o orgulho por ser aprovado para faixa amarela seria idêntico ao orgulho de se tornar faixa preta, uma vez que toda faixa  (tenha ela a cor que for) representa – ou deveria representar – o grau de conhecimento efetivo dos alunos.
Infelizmente, essa forma leviana e descompromissada de ver os Kyû é comum para mais de 98% dos instrutores… estes mesmos instrutores que irão exigir um exame irracional para faixa preta como se o aluno faixa marrom (castanha) tivesse a obrigação de saber TUDO sobre a parte técnica da arte que pratica!
Conclui-se que atribuir maus desempenhos aos faixas marrons (castanhas) talvez seja apontar o problema na direção errada e talvez uma (re)avaliação de como se conduz o ensino técnico (e teórico) nas graduações preparatórias (faixas coloridas) talvez seja muito mais benéfico e efetivo para a arte que se ensina a curto e longo prazos.
Cumpre-me, porém, lembrar que a forma como orientamos os nossos alunos é uma questão de escolhas: queremos o melhor a nível técnico e teórico para os nossos alunos ou “seja lá o que Deus quiser”? Qual realmente é a nossa motivação no ensino das Vias Marciais japonesas? Tem-se ou não interesse sobre a "qualidade" do ensino que prestamos?

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

89. Shuri-te, Naha-te e Tomari-te.

Antes de tecer qualquer comentário a este respeito, vou colocar o artigo (muito bom) escrito pelo Denis Andretta a este respeito como ponto de partida para posteriores observações.

"Ah! Pensar... Eis uma ferramenta interessante.

Vejamos... Se 
“Em Okinawa [沖縄], Tōde [唐手] sempre foi Tōde [唐手]... toda e qualquer alteração, seja ela qual for, ocorre a partir do momento em que os mestres do arquipélago decidem expandir/divulgar sua arte fora do conjunto de ilhas” (ANDRETTA, Denis).
Até a chegada da Arte Marcial de Okinawa [沖縄] as ilhas principais do Japão não havia distinção de estilos. Em Okinawa [沖縄] cada mestre tinha sua ênfase de trabalho baseado em suas experiências pessoais e na instrução que haviam recebido de seus mestres, porém não nomeavam seus conhecimentos.

Façamos um pequeno resumo do que circula a cerca deste tema por aí...

Desde tempos remotos existia em Okinawa [沖縄] uma arte marcial conhecida como Te [手][1]. Esta arte marcial recebe influências do Quán-fǎ[2] (Kenpō) chinês e passa a ser conhecida como Tōde [唐手], nome que reconhece a influência da China dentro da arte praticada em Okinawa [沖縄]. 

Na maioria das bibliografias menciona-se que havia três grandes centros de treinamento de Tōde [唐手] em Okinawa [沖縄] no final do século XVIII, que um deles situava-se na cidade de Shuri [首里][3], (...) outro se situava na cidade de Naha [那覇][4], (...) e o último ficava na cidade de Tomari [泊][5] (...). 

Diz-se ainda que por volta deste período cada uma destas cidades teria passado a desenvolver um estilo próprio de Tōde [唐手], distinto dos demais. Sendo assim, os estilos teriam passado a ser conhecidos pelo nome da cidade na qual era praticado, ou seja: Shurite [首里手][6], Nahate [那覇手][7] e Tomarite [泊手][8].

Na história que nos contam sobre a origem dos estilos de Karatedō [空手道] há algo de estranho, não acham? Por quê?

Mesmo se nós admitirmos que isso tenha acontecido assim... há um problema aqui... Por que “Shurite”, “Nahate” e “Tomarite” e não “Shuri-tōde”, “Naha-tōde” e “Tomari-tōde”? Nesta época (alías há muito tempo), a arte já não era conhecida simplesmente como o Te [手] (como foi outrora)... mas sim Tōde [唐手].

Não senhores! O Tōde [唐手] NÃO deu origem a três grandes centros de treinamento. Isso foi mais uma, entre tantas outras, “estratégias” políticas... que buscava agradar as autoridades japonesas da época visando uma única coisa: A ACEITAÇÃO DA ARTE POR PARTE DOS JAPONESES.

“O que? Tá louco?” Alguém deve estar pensando a esta altura.

Calma lá... vamos entender como a “coisa” se deu.

Infelizmente, a história do Karatedō [空手道] não é clara e, geralmente, as questões políticas, sociais e culturais não têm sido levadas em consideração pela maioria dos historiadores (em grande parte por tratar o Karatedō [空手道] como uma arte marcial japonesa). 

Esta distinção, Shurite [首里手], Nahate [那覇手] e Tomarite [泊手], surge apenas em 1927 e como tantos outros aspectos que cercam a história do Karatedō [空手道] possui cunho político.

Quando da segunda viagem de Jigorō Kanō [治五郎嘉納] a Okinawa [沖縄], por convite da Yūdansha-kai [有段者会] de Jūdō [柔道], o então Prefeito de Okinawa [沖縄] teve a ideia de apresentar o Tōde [唐手] ao ilustre visitante, porém para eliminar os perigos políticos resolveu fazê-lo apresentando a arte como sendo produto das cidades onde eram praticadas. Foi assim, que na ocasião Kenwa Mabuni [賢和摩文仁] apresentou o “Shurite [首里手]”, Chōjun Miyagi [長順宮城] demonstrou o “Nahate [那覇手]” e Chomō Hanashiro [長茂花城] mostrou o “Tomarite [泊手]”. Porém, até este momento da história o nome genérico usado por todos os mestres de Okinawa [沖縄] era mesmo Tōde [唐手] (inclusive por Gichin Funakoshi [義珍船越] que nesta época já estava instalado no japão). 

Resumindo, estas denominações “Cidade+TE” surgem para agradar o influente mestre japonês Jigorō Kanō [治五郎嘉納]... e só foram conhecidas - como disse antes - a partir de 1927. Fora esta "politicagem", o Tōde [唐手] nunca deixou de ser Tōde [唐手].

"Tōde [唐手]" como sendo o termo genérico é um fato que pode ser comprovado por Gichin Funakoshi [義珍船越] o ter inserido nas suas publicações em 1922 e 1925. Apenas em 1935 é que aparece o termo Karatedō [空手道]. 
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Notas:

[1] Te [手] – Mão ou técnica.
[2] Quán-fǎ [拳法] em Chinês (sistema Hànyǔ Pīnyīn [漢語 拼音]) é lido Kenpō [拳法] em japonês (Sistema Hepburn). Literalmente significa "lei(s), regra(s), doutrina(s) dos punhos". O termo mais conhecido hoje em dia - e errado - para designar esta arte é Kung-fu [功夫] (na realidade Gong-fu [功夫] {sistema Hànyǔ Pīnyīn [漢語 拼音]} como arte marcial não existe). Gong-fu [功夫] significa literalmente "Homem com mérito(s)" basicamente é qualquer pessoa que faça bem o seu trabalho... um professor, um dentista, um carpinteiro... qualquer um que cumpra bem o seu ofício ou que tenha mérito em alguma coisa é Gong-fu [功夫].
[3] Shuri [首里] – Cidade de Okinawa [沖縄].
[4] Naha [那覇] – Cidade de Okinawa [沖縄].
[5] Tomari [泊] – Cidade de Okinawa [沖縄].
[6] Shuri-te [首里手] – Mão ou técnica de Shuri [首里].
[7] Naha-te [那覇手] – Mão ou técnica de Naha [那覇].
[8] Tomari-te [泊手] – Mão ou técnica de Tomari [泊]."

Artigo original: Karatedō.net - Dōjō Virtual.

Concordo plenamente com o raciocínio do Denis... e agora, passemos a algumas fundamentações do seu artigo:
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*** Fundamentação 1: ***

"In preparation for Kano Jigoro's monumental visit to Okinawa in January of 1927, the prefecture recommended using a name that might characterize Toudi-jutsu as a martial tradition more closely associated  with Okinawa rather than the existing name, which accented its foreign origins. In doing so the terms Shuri-te, Naha-te, and Tomari-te (meaning the te disciplines that were native to Shuri, Naha and Tomari) were born."
In Ancient Okinawan Martial Arts, by Patrick McCarty and Yuriko McCarty.
Página 131, ponto 13.

Apenas para tornar as coisas ainda mais claras... 

"Em preparação para a visita monumental de Kanō Jigorō (fundador do Jūdō) a Okinawa em Janeiro de 1927, a prefeitura (de Okinawa) recomendou a utilização de um nome que caracterizasse o Tōde-jutsu como uma tradição marcial mais aproximadamente associada a Okinawa do que ao nome existente, o qual acentuava as suas origens estrangeiras. Ao fazer isso, os termos Shuri-te, Naha-te e Tomarite (significando as disciplinas TE que eram nativas de Shuri, Naha e Tomari) nasceram (foram criados)."
No livro "Ancient Okinawan Martial Arts" escrito por Patrick e Yuriko McCarty. Página 131, ponto 13.
Artigo original: Ancient Okinawan Martial Arts.
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*** Fundamentação 2. ***

"Ma fu nel 1927 che il karate conobbe una svolta. Fu in questa data infatti che il grande maestro Jigoro Kano pianificò una visita ad Okinawa. Per l’evento si prepararono delle celebrazioni di benvenuto, tra le quali era compresa una dimostrazione di to-de. Non era la prima volta che Kano visitava Okinawa. Secondo la testimonianza di Gima Shinkin (1896-1989, studente di Itosu prima e di Kentsu Yabu poi: fu il presidente degli istruttori di karate delle scuole di Okinawa; fu lui ad assistere Funakoshi a Tokio nelle sue dimostrazioni del 1922, sia alla “Prima Esibizione Nazionale di Atletica” poi al Kodokan davanti a Jigoro Kano), già nel 1926 Kano era venuto 4 volte ad Okinawa per tenere dei seminari, ma non aveva mai assistito ad una dimostrazione di to-de. Questa volta, a Mabuni e Miyagi fu chiesto di organizzare una dimostrazione per illustrare la loro arte. In questa occasione, venne chiesto a Mabuni di cercare un nome alternativo a to-de, che suonava troppo cinese. Senza tenere in considerazione il precedente tentativo di Hanashiro Chomo, che aveva intitolato ‘karate kumite’ utilizzando i kanji per ‘mano nuda’ quella che forse è la prima pubblicazione sul karate, ci fu generale accordo sul fatto di inquadrare il to-de a secondo delle zone geografiche dove era stato principalmente coltivato, ossia shuri-te, tomari-te, naha-te. È sempre Gima Shinkin a testimoniare che prima di allora mai si era parlato di shuri-te, tomari-te e naha-te, ma che l’arte si chiamava genericamente to-de. Nel 1928, furono Miyagi e Mabuni ad informare Funakoshi del cambiamento. Dal momento che la dimostrazione del 1927 venne allestita dal Ministero dell’Educazione, venne chiesto a Mabuni di illustrare i principi dello shuri-te (fondamentalmente i kata pinan e naianchi), mentre a Miyagi spettò il compito di illustrare il nahate. Mabuni era convinto che una simile dimostrazione non avrebbe facilitato l’espansione del karate, e pregò Kano di voler assistere ad una dimostrazione offerta dai maestri più abili dell’epoca. Fu così che la mattina dopo Kentsu Yabu, Hanashiro Chomo, Chutoku Kian, Miyagi e Mabuni dimostrarono i kata e le loro applicazioni in privato a Jigoro Kano. (...)"
Artigo original: Federazione Italiana Arti Marzial.

(Italiano é fácil de entender, por isso não vou traduzir.)
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Agora, mais alguns comentários a este respeito:

1. É incontestável que na esmagadora maioria das obras publicadas sobre Karate, esta "manobra política" não é mencionada... (^_^) É-nos passada a informação de que "Shuri, Naha e Tomari seriam os três grandes centros de prática, blá, blá, blá..." sem que isso seja verdade.
Mais uma vez estamos diante de transmissão de informação errada ou "bastante obscura" sobre o Karate, sem qualquer fundamentação histórica.
Resumindo essa história "CIDADE+TE": 1927 e ponto final!

2. Não menos numerosos são os instrutores que não conseguem associar a história do Karate a Kanō Jigorō (o fundador do Jūdō), chegando mesmo a dizer coisas do tipo: "Não podemos comparar o Jūdō ao Karate porque são coisas completamente diferentes".
Errado!
Sem reconhecer a ligação direta entre o desenvolvimento do Karate no Japão [Atenção aqui! Eu disse "no Japão"!] e Kanō Jigorō, a história do Karate mais parece um queijo suiço! Não é de ficar surpreso o fato de haver várias "lacunas" na história do Karate, criadas por elementos que tentam dissociar o Karate do Jūdō por motivos que só a eles dizem respeito.

3. Novamente, e não me canso de repetir isso, enquanto não houver pesquisa e esforço sérios a respeito da transmissão do conhecimento marcial, tretas, informação errada e misticismos continuarão a ser difundidos como informação correta apenas para mascarar a falta de conhecimento efetivo por parte de um grande número de indivíduos.

4. Não é a cor da faixa, nem os "milhares" anos de prática de uma pessoa que trazem o "CONHECIMENTO" a respeito de qualquer arte marcial. O conhecimento vem com a PRÁTICA e o ESTUDO (pesquisa, análise e verificação da informação transmitida).

5. Sentir-se "ofendido" e ficar a se lamentar ou choramingar porque alguém nos fez cair na realidade de que nada sabemos é uma atitude patética! Antes de tentar "parecer" honestos aos olhos dos outros, devemos "ser" honestos com nós próprios e com aquilo que sabemos realmente.
Aparência, meus amigos, não é competência!

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Nota: 
Caso fique "ofendido" com algo que eu tenha escrito (seja onde e quando for)... há sempre outros Blogs com informação menos direta e com "palavrinhas mais bonitinhas"! (^_^)
(In)felizmente não sei usar "floreios" ou subterfúgios para coisas que são mesmo diretas.
Se "errado" é pior do que "incorreto" ou se devia ter usado "menos correto"... só perde tempo com estas tretas quem NÃO "perde tempo" com pesquisa e estudo! Porque, estas pessoas, com esse "estratagema" (da importânica do uso de "palavrinhas lindinhas") "fogem" à questão fundamental do assunto tratado!
Contudo, se a informação que eu coloco for útil, então o uso de palavras "mais (ou menos)" bonitinhas não faz sentido, pois não? (^_^)