domingo, 22 de dezembro de 2013

202. Como chegamos até aqui?

Pode-se resumir os problemas das Artes Marciais Japonesas a fatos concretos:

Vou começar pelo "ensino base"...

1 - 文武一 BUNBU ICHI. Este é o primeiro pilar das artes marciais japonesas: "O estudo da literatura (marcial) e a prática (marcial) são uma única coisa". Não há necessidade de ser um "Einstein" para simplesmente ler e interpretar o que significa esta expressão. Mesmo assim, vou explicar de forma simples: «ESTUDAR» e «TREINAR» têm a mesma importância! Agora...

2 - 心技体 SHINGITAI. Este é o segundo pilar das artes marciais japonesas: "Espírito, Técnica e Corpo". Esta é a sequência CORRETA daquilo que importa no treino marcial. Mas este conceito é muito mais difícil de entender e por em prática... porque a maioria esmagadora dos instrutores não faz a menor ideia do que seja "Espírito" e como desenvolvê-lo. Para piorar a situação, para "ensinar" este conceito, deve-se "viver" o conceito! Daí, o número de instrutores que têm esta formação serem extremamente raros! (Consigo contar, usando os dedos de uma única mão, aqueles instrutores que eu conheci e que são capazes de o fazer.)

Portanto, o erro começa na base!

Agora, passemos para o "ensino elementar"...

1 - Falta PESQUISA e, por isso, um grande número de instrutores "inventa", acrescenta "interpretações pessoais" e "verdades" que inicialmente nunca existiram nas artes marciais originais.
*** Resolução do problema: ESTUDO e PRÁTICA!

2- Em consequência do número anterior, alguns fatos vão sendo transmitidos e retransmitidos de forma errada, aumentando a distância entre o que é correto e o que "parece correto".
*** Resolução do problema: ESTUDO e PRÁTICA!

3 - A vida É no seu dia a dia... quero dizer, DEVERIA SER um prolongamento do comportamento no Dōjō. Infelizmente, hoje em dia vê-se apenas "Faz o que eu digo, não faz o que eu faço".
Este tipo de instrutor esquece que o ensino/aprendizagem também é feito através de EXEMPLO.
Ou seja, deve-se "viver e demonstrar" o que se ensina!
Mais uma vez, "infelizmente", muitos Instrutores só pensam em "aparentar ser um mestre Zen" no Dōjō, mas são vistos frequentemente a serem completos inaptos à realidade cotidiana.
*** Resolução do problema: VIVER aquilo que se está a transmitir. Para VIVER é necessário SABER. Para SABER são necessários QUESTIONAMENTO, ESTUDO e PRÁTICA. Não basta "parecer ser", deve-se "ser" realmente.

4 - "Ensinar apenas o que se sabe". Isto pode parecer um pouco mais complexo, mas pode ser "avaliado" de forma simples. Basta fazer uma pergunta a nós mesmos: "Eu SEI aquilo que eu estou a ensinar sem sombra de dúvida?" Ou "Tenho respostas para as minhas dúvidas (ou dúvidas dos meus alunos)?".
Na verdade, sabemos pouco e queremos ensinar muito. Aprende-se um par de técnicas e, "voilá"... domina-se uma arte marcial.
Eu costumo dizer que se não somos capazes de explicar algo de forma simples é porque não sabemos o que estamos a explicar. Até este preciso momento em que estou a escrever esta entrada no meu blog, a minha afirmação continua a ser completamente válida!
*** Resolução do problema: QUESTIONAMENTO, ESTUDO e PRÁTICA!

5 - Há uma grande diferença entre REALIDADE e ILUSÃO. Muitas vezes, alguns instrutores são induzidos a acreditar que o que ensinam é REAL ou o mais correto possível... porque foi mesmo assim que aprenderam!
Não há nada mais natural e é mesmo desta forma que isto se processa! Porque é assim que se desenvolve o ensino, a transmissão de uma pessoa para outra. Contudo, IMITAR faz parte dos primeiros passos de qualquer iniciante, mas QUESTIONAR e SABER fazem parte do mundo de quem ensina.
A maioria dos instrutores acomoda-se convenientemente na desculpa grosseira de que "o meu mestre disse que era assim" e, desta forma, justificam a NÃO necessidade de questionar seja o que for.
A esta atitude, meu amigo, chama-se ACOMODAÇÃO... Uma pessoa acomodada não busca respostas e, consequentemente, não evolui. Simples como isto.
A ilusão de que "tudo vai bem" desmorona com o primeiro questionamento... e só lhes resta uma alternativa: dizer que "o meu mestre disse que era assim" (basicamente porque não sabem a resposta ao questionamento feito)... Ou, como já vi acontecer, quando não têm respostas para os questionamentos feitos, "inventam" uma na hora!
Pior! O problema que advém com este tipo de atitude é que se criam "Deuses", "Santos", "veneráveis", verdadeiras "Vacas sagradas", pessoas inquestionáveis!
Este tipo de "indivíduo divino", quando entra em um Dōjō, é como se fosse um sol a iluminar o lugar... para alguns, evidentemente. Estas "estrelas" (bastante oportunistas, diga-se de passagem), sabem que o questionamento é inexistente e, portanto, sua posição "celeste" continua (e continuará) garantida: a perpetuação do estado das coisas.
Meu amigo, não há santos sobre a terra! Não há Deusas sobre a terra! Existe apenas outro ser humano! Que pode ou não ter as respostas que procuras.
As respostas destas pessoas, destes outros seres humanos às suas dúvidas irão demonstrar o quanto estas pessoas realmente entendem do que falam.
*** Resolução do problema: QUESTIONAMENTO, ESTUDO e PRÁTICA!

Para concluir, noventa e nove por cento dos problemas do ensino atual de artes marciais japonesas pode ser resolvido com pesquisa efetiva e aplicação real do conhecimento adquirido através da TEORIA e PRÁTICA, compreensão correta, vivência correta, exemplo correto, aprendizagem e ensino corretos. Sem enganos, sem falcatruas, sem tretas, sem desonestidade... Mas trasnmitir apenas a "verdade" da dualidade aprendizagem/ensino das Artes Marciais Japonesas como preconiza a segunda diretiva do Dōjōkun da Shōtōkan:

一、誠の道を守る事。
HITOTSU, MAKOTO NO MICHI O MAMORU KOTO.
"IMPORTANTE, PROTEGER O CAMINHO DA VERDADE.

(Falar é fácil, fazer...)

Pode-se, portanto, parafrasear Neil Armstrong no que diz respeito ao estudo e prática marcial: "É um pequeno passo para o instrutor, mas um grande passo para o universo do ensino marcial"!

Relembrando...


sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

201. UVAS #23 - Conceito de "ILUSÃO".


* ATENÇÃO!!! SE É SENSÍVEL A TERMOS GROSSEIROS NÃO LEIA OS MEUS POSTS! *

Tenho visto, ao longo dos anos, pessoas que ao pisarem dentro do Dōjō sofrem uma transformação radical!
De repente, há um código de conduta a ser seguido, regras, normas e etiquetas a serem obedecidas e o respeito pelo outro ser humano tem de ser mantido a todo custo. Estas pessoas - como se por magia - passam a ser "outras pessoas"... Não há nada de errado nisto...

(No fundo, questiono-me frequentemente o quanto disto será "mera atuação teatral para uma plateia mais ou menos seleta" ou "sincero desejo de que este tipo de comportamento social fosse realidade".)

Mas a questão que eu mais observo é que, ao sair do Dōjō, estas mesmas pessoas esquecem todos os valores (aprendidos há alguns minutos atrás) através das artes marciais japonesas e voltam a desrespeitar os outros seres humanos, voltam a achar que a má educação faz parte da cultura local e que aquilo que está aprendendo numa escola de artes marciais só serve para quando esta pessoa estiver "representando o seu papel" de artista marcial.

Esta é a razão pela qual eu afirmo que os Dōjōkun NUNCA irão funcionar! Porque as pessoas não sabem levar para fora do Dōjō os princípios mais elementares e básicos de civismo e conduta marcial da cultura japonesa.

Não adianta envergar um Karategi, um Jūdōgi, uma Hakama, um Ninja Ishō etc. e "armar-se" em seguidor do Bushidō, quando em casa é um mau filho (uma má filha), um mau marido (uma má esposa) ou um mau pai (uma má mãe)... um mau ser humano. ISTO É SER HIPÓCRITA! E vai contra o que defendem as artes marciais japonesas.

Eu afirmo que é hipocrisia porque EU JÁ VI, com os meus próprios olhos, instrutores, fora do Dōjō, a cairem pelas ruas de tão bêbados e estarem a incitar outras pessoas à violência. 
EU TAMBÉM JÁ VI, com os meus próprios olhos, instrutores a espancarem pessoas mais fracas... 
Eu poderia continuar a citar muitos outros maus exemplos de conduta social por parte de instrutores e praticantes que - na MELHOR das hipóteses - não fazem a menor, a mínima ideia do que se trata realmente aquilo que treinam - aprendem ou ensinam.

Ser "um exemplo" a ser seguido?! Só se alguém estiver a olhar, caso contrário, pode-se ser tão trafulha e irresponsável quanto possível! Isto é o que pensam alguns indivíduos cuja formação moral é bastante questionável.

Passemos, então, à questão principal sobre este assunto: de quem é a responsabilidade pela falta de orientação marcial das escolas contemporâneas? (Eis uma boa questão!)

Federações? Associações? Clubes? Instrutores? Alunos? Será que há um excesso de instrutores cuja formação está voltada - de forma conveniente - apenas para valores que visam apenas alto rendimento (econômico)? (Omitindo as orientações mais básicas como a pesquisa e a comportamento moral e, daí, o fraco desempenho nestas áreas). Será uma falta de conhecimento efetivo para transmitir o verdadeiro significado do que sejam realmente artes marciais? Se é que se sabe de verdade o que as mesmas significam...

Eu acho - e isto é a minha opinião pessoal - que este é um dos erros mais grosseiros a nível do que seja a cultura marcial japonesa!

Como eu disse antes, é mesmo por isto que os DōJōkun NUNCA irão funcionar ou serão postos em prática,,, basicamente porque aqueles que deveriam seguir o ensino correto e comportamento irrepreensível e dar bons exemplos, são os primeiros a fazer "vista grossa" aos "desvios" de orientação pedagógica.

Portanto, assim como o interesse pela pesquisa e pelo estudo das artes marciais japonesas, os valores morais, de hombridade e honestidade destas artes são "convenientemente deixados de lado". E sabem por quê? Porque é mais fácil "cair na garrafa" (ou em "outras coisas" menos abonatórias), ser um mau filho(a), um mau pai (uma má mãe), um mau marido (uma má esposa) ou mau ser humano quando os outros não estão olhando, porque é mais simples "parecer marcial" do que "ser marcial". Isso é inquestionável!

Vive-se na "aparência" das coisas, naquilo sobre "o que os outros vão pensar" como se fosse a forma correta de viver as artes marciais. Mentimos descaradamente e de forma vergonhosa para nós mesmos e para os outros como se fosse a coisa mais natural deste mundo!

Portanto, para resolver o estado das coisas, aqui vai um resumo simples:

TREINAR as Artes Marciais.
ESTUDAR as Artes Marciais.
PESQUISAR as Artes Marciais.
VIVER as Artes Marciais... Tudo isto implica ESFORÇO!

Enquanto não formos realmente HONESTOS (com nós próprios em primeiro lugar e depois para com os demais) e não agirmos com determinação, então não há solução à vista e o estado das coisas só tende a se perpetuar.

Sejamos pelo menos um pouquinho sinceros: na realidade, isto não é absolutamente nenhuma novidade ou que já não se soubesse há muito tempo... mas isso é mais uma daquelas coisinhasas que "o melhor a estar calado" porque, caso contrário, será necessário fazer algum "esforço" qualquer... e a "Lei do Menor Esforço" SEMPRE vai falar mais alto!

Assim, vivemos na ilusão de ser "samurai"...  de estarmos "perpetuando os valores do Bushidō" (estes estão escritos em todos os cantos da internet... como se algum dia venham a ser vividos realmente), quando na realidade estamos caladinhos a manter as coisas exatamente de acordo com as nossas conveniências.

Isto é ILUSÃO!